Para acontecimento, é um dos grandes.
Enorme!
mcr, 21-11-21
20.000 páginas! 1.700.000 palavras. 700.000 ocorrências!
Estes três números dizem muito, mesmo muito, da obra que pelos vistos aparece agora em e-book
São os diários de Salazar, 35 anos, dia pós dia. Nove anos de trabalho de uma abençoada arquivista, uma senhora arquivista, de seu nome Madalena Garcia.
Mesmo que em livro o número de páginas desça para metade, vá lá um terço, quiçá um quarto, teríamos no mínimo, 5000 páginas, isto também é tudo em função do tamanho da letra, claro.
É evidente que, para nós, leitores vulgares e mais interessados na “carne da perna” talvez três mil páginas chegassem.
Todavia que está aí um trabalho colossal , está, E de que maneira, tanto mais que a letra do eremita de Santa Comba Dão não parece ser “pera doce”.
Eu, que vivi 33 anos (quase tantos quantos os cobertos pelo diário...) sob a férula da criatura, tenho uma enorme curiosidade por saber deste dia-a–dia minucioso e íntimo, sem filtros nem considerações de posteridade.
É que são raras as obras históricas que abordem o homem e o político desapaixonadamente, factualmente sem o peso da admiração babada ou da inimizade ideológico.
Eu sei que o que peço é difícil, provavelmente quase impossível mesmo quase sessenta anos depois da morte do ditador. Uma das raras aproximações a um narrativa menos agressiva ou hagiológica é devida a Ribeiro de Meneses, um historiador radicado (suponho) no Reino Unido. Depois, há estudos esparsos, aqui e ali, que trazem aboradagens cautelosas a diferentes aspectos da sua política. E a documentação em bruto, sobretudo as “Cartas”, menos os “Discursos” que eram longamente meditados para o presente e para ..o futuro.
Dir-se-á que o mesmo ocorre com outros líderes mundiais ou portugueses (e destes poucos há como de costume)
Oitenta por cento da 1ª República está por esclarecer e estudar, pior só mesmo com a defunta fase final da Monarquia. Do Estado Novo, dos seus próceres também não aparecem estudos em quantidade e, sobretudo, em qualidade. Ou então, mesmo se escassas, há um par de hagiologias sobre alguns políticos que prepararam ou fizeram o 25 A e os primeiros anos do novo regime. Pelos vistos ainda é cedo!
Por isso este gigantesco esforço da dr.ª Madalena Garcia merece aplauso e gratidão.
Até eu, um info-excluído vicioso, terei de fazer o esforço de tentar desbravar o tal e-book esperando que ele apareça. Não faço sequer ifeia de deverei comprar um maquinismo que permita ler com comodidade e letra bem grande a coisa. Ou, pior, se me atreverei. Por mim, um resumo das partes mais interessantes já bastava desde que o/a autor/a fosse de confiança. De todo o modo, aí está u instrumento fundamental para ajudar a fazer a história de um período da vida nacional e também de da vida de uns dois/três milhões de portugueses, os que ainda sobrevivem dessa época sombria que, de certo modo, ainda “assombra” a nossa história actual.
(um leitor "desconhecido" fez-me uma pergunta. Respondi longamente e perdi (!!!) a resposta ! Vou tentar reescrever o que então dizia e publicarei esse texto logo que possível. Ainda tenho a vaga espeança de o encontrar. Alguém me dá uma dica?)
Livros, alfarrabistas & outras fantasias 8
(“Álbuns Fotográficos e Descritivos da Colónia de Moçambique”)
Os livros são uma aventura sem fim, uma viagem sem bússola, um desvanecer de dinheiro pior do que consumir cocaína. O leitor voraz, nunca está satisfeito. Pede sempre mais e mais, quer tudo e mais alguma coisa, o que faz lembrar aquele cavalheiro medievo, Pico della Mirandola que, diz-se, sabia tudo e mais alguma coisa. Morreu cedo de tanto ler, mas não de tresler, deixando uma obra copiosa salpicada, nalguns casos (13!, número aziago!) de heresia de que, contrafeito, teve de abjurar. Pico lia tudo, comprava tudo o que corresse escrito e discutia tudo. Hoje, poucos o conhecem e menos ainda o leem (é o meu caso...) mas o homem, segundo a biografia que lhe dedicou um sobrinho, era da raça dos génios.
A que vem esta lengalenga mirandoliana se o que pretendo é falar de um certo Rufino, fotógrafo e africanista, autor de dez gordos volumes pejados de fotografias sobre a colónia de Moçambique em 1929?
Pois apenas isto, o senhor José dos Santos Rufino por razões que não enxergo, resolveu, naquela data, arriscar muito dinheiro na publicação dos “Álbuns...” Não vislumbro que, à época, lhe sobrasse freguesia suficiente na colónia (em 1929, Moçambique era, oficialmente, colónia, abandonada que fora a designação de província ultramarina dos tempos da monarquia). Também duvido que, na Metrópole, houvesse uma multidão de entusiastas coloniais que compensasse o esforço e os gastos da edição. É que se trata de algo luxuoso, caro, fotografias algumas vezes enormes, tratadas, reveladas e editadas na Alemanha pela renomada firma Broschek & Co. (Hamburgo). São dez volumes oblongos (22x29cm) que no conjunto hão-se contar mais de mil fotografias, algumas em página dupla. A obra encerra fotografias das localidades mais importantes (Lourenço Marques, Beira, Tete, Quelimane ou Moçambique -mas não Nampula, na época um lugarejo sem importância -), instalações portuárias, comerciais, agrícolas e industriais, fauna, flora, arquitectura e monumentos e, no 10º volume, uma extensa mostra das populações nativas.
A qualidade das fotografias foi sempre aclamada mesmo se Rufino não conste na lista nacional, africana ou mundial dos grandes fotógrafos reconhecidos. Mas. é-o, indubitavelmente.
Hoje, a colecção pertence ao ex Banco Nacional Ultramarino e raras vezes aparece completa no comércio alfarrabista. Quando tal acontece, os preços são consideráveis (entre 750 e 1000 euros nas consultas que fiz) o que muito me entusiasmou porquanto fui pacientemente reunindo os volumes entre Dezembro de 2007 e Setembro de 2009. Tinha fixado uma tabela máxima por volume (€ 50) e consegui terminar o lote um pouco abaixo do limite que me tinha imposto, sobretudo porque consegui que todos os tomos estivessem em “bom” ou “muito bom” estado de conservação.
Para além do interesse estético, o que me interessou sempre foi o valor documental e, sobretudo, a confirmação do que sempre defendi: Moçambique é um país construído por portugueses, sul-africanos, indianos, alguns chineses, gregos, italianos e alemães. Deveria referir os africanos, isto é os negros indígenas que alombaram com o trabalho mas penso que isso está implícito sempre que se fala de África.
Também me pareceria interessante fazer notar o esforço de muitos mestiços que nos anos da construção do “Império” eram importantes (por todos, em Moçambique, a família Albasini) estatuto que foram perdendo durante o apogeu da colónia-província ultramarina. Para isso, portugueses e indianos contribuíram fortemente mas não é desdenhável a contribuição bóer, a provar que durante muito tempo, a mestiçagem não só não era proibida mas tinha estatuto social e económico. Anda por aí muito aprendiz falhado de anti-racista que desconhece que o apartheid foi obra de anos posteriores. Não é que antes não houvesse diferenciação racial (com pesadas e vis consequências) mas esta tal qual se tornou política oficial da RAS tem origem nos finais da primeira metade do século XX.
E, mesmo que Moçambique não fosse um paraíso racial (longe disso), as diferenças entre o estatuto de brancos e não brancos era algo de infinitamente menos ignominioso do que em muitas outras zonas de África. Não desculpa nada mas não pode ser esquecido.
* nas fotografias que se juntam aparece a palavra “mufano” para significar criado jovem. É uma adaptação tola. aportuguesada e masculinizada do termo ronga “mufana” que significa rapaz, jovem. O feminino, no mesmo vernáculo, é tombazana.
. o leitor (im)penitente 22...
. o leitor (im)penitente 20...