Domingo, 18 de Junho de 2023

estes dias que passam 806

Aventuras  e desventuras do “racismo”

mcr, 18-6-23

 

 

No passado dia 10, o dr. António Costa, primeiro ministro, todo poderoso dirigente do PS, foi apupado por uma ou duas dúzias de manifestantes alguns dos quais empunhavam uns cartazes em que o visado aparecia com um nariz de porco, lábios engrossados enfim algo que, para além da exígua imaginação era mal feito e fraquinho como caricatura.

N\ao vou sequer dar-me ao trabalho, aliás penoso, de tentar perceber se aquilo era ou não racista. Pata efeitos do que a seguir quero dizer vamos aceitar que aquele medíocre (e estou a ser generoso!...) cartaz era racista.

Comecemos, então, pelo princípio como declarava um professor da gloriosa universidade que me coube frequentar:

É Portugal um país racista? 

A resposta depende de que percentagem de habitantes levamos em linha de conta. Se bastam 10 ou20%, não tenho quaisquer dúvidas: o país é, como todos os restantes do mundo (seja a Suécia, a Mongólia ou o Uruguai), racista. 

Não conheço nenhum país que não tenha uma boa s dose da sua população  eivada de preconceitos racistas, xenófobos, religiosos e morais. Ponto final, parágrafo.

Isto dito, convém perguntar se devemos pactuar com esse estado de coisas com essa mentalidade. 

A resposta também é fácil: Não!. Não, nunca, jamais, em tempo algum!

Como , de resto (e não se diga que junto dois exemplos díspares –em importância e significado- porque foram tão só os primeiros a acudir-me ao pensamento), se não deve pactuar com centenas de outras práticas seja a excisão do clítoris (tão comum em África, em toda a África...) ou o hábito de cuspir para o chão. Ou centenas de outros hábitos, modos de ver e de pensar. O “homem” é um ser que com dificuldade e lentidão lá vai tentando, quantas vezes às cegas, sair da sua pré-história.

Amigos meus, negros e exilados, em países socialistas onde tinham bolsas de estudo, contaram-me do acismo quotidiano de que eram alvo na sociedade russa e soviética. Amigos brancos que lutaram pela independência das ex-colónias contaram-me, tristes mas teimosos, das dificuldades do dia a dia em Luanda pi Maputo, onde continuaram a viver. Um colega natural do sul da Índia mas goês, pelo nascimento recriminava gente de Deli pelo desprezo que votavam aos seus compatriotas mais escuros, muito mais escuros. E por aí fora, nos EUA ou no Brasil, em Cuba ou no Japão. 

Em todos estes casos, era a cor da pele o principal identificador doa desconfiança, do menosprezo, do receio com qie açguém era encarado. 

Portanto, e para abreviar: Portugal não escapa à regra geral. Há e continuará a haver  uma percentagem de cidadãos racistas, por toda uma série de razões, desde o medo até às mais absurdas teorias raiais.

Acresce que, durante século e meio, (1850-1975), Portugal  manteve guerras abertas ou camufladas em todos os seus territórios coloniais desde a Guiné até Timor. Ao contrário do que por aí corre, a vida nas colónias nunca foi pacífica como aliás o demonstram as “campanhas de pacificação” que terminaram vagamente nos anos 30 d0 século passado para trinta anos depois a guerra de libertação se reacender em três frentes já a Índia tinha desaparecido.

Essas guerras de África mobilizaram entre 1960 e 1974, um bom milhão de jovens portugueses que tinham pais, mães, irmãos, noivas, primos e amigos o que dará uns largos milhões de afectados directa ou indirectamente. 

É verdade que as baixas de portugueses nascidos em Portugal foram relativamente exíguas, quanto mais não seja porque cedo a guerra se “africanizou”.

Todavia, o capital de medo, de angústia, de cuidados, de boatos e de “fake news”, de lutos, de regressos de soldados com sequelas de todo o tipo, marcou e marca ainda duradouramente a sociedade portuguesa e o país. 

Não que se chore demasiadamente o fim do império mesmo se haja eventualmente quase um milhão de “retornados. Que não se refugiaram em Portugal sem azedume, queixas várias, algumas legítimas sobretudo as que foram feitas contra tropa portuguesa que, repentinamente deixou de os proteger ao mesmo tempo que certos poderes transitórios portugueses permitiam que populações africanas se armassem (mutas vezes com armas portuguesas...) e levassem a cabo expedições punitivas contra os colonos recentes ou antigos. Houve fugitivos angolanos brancos, mulatos e negros que deveram a sua salvação a dissidentes armados do MPLA (caso de Daniel Chipenda) ou, raramente de outro movimentos independentistas. 

É verdade que, ao contrário dos pied noir frnceses, os retornados foram absorvidos com relativa facilidade e inusitada rapidez pelo país profundo. Porém o impacto da vinda, em estado de miséria, desta forte percentagem da população não deixou de marcar com fundas cicatrizes, o pensamento colectivo.

Só isso bastaria para manter viva a fogueira racista.

Depois, sobretudo na região de Lisboa, concentraram-se algumas dezenas (no mínimo!) de milhares de imigrantes africanos vindos das ex-colónias e de outras zonas de África. Como a imensa maioria desses novos habitantes tinha escassa escolaridade e nenhuma preparação profissional destinaram-se-lhe os piores e mais mal pagos empregos. Isso amontoou-os em ghettos insalubres, nas periferias mais pobres e mais longe dos escassos benefícios da vida citadina. Digamos que, em muitos casos, perpetuou a pobreza, a ignorância, inclusive um fraco conhecimento da língua. Também não é de estranhar que daí saiam, ou possam sair, focos de pequena criminalidade mesmo se, neste domínio, pareça estar minimamente controlada. 

Com a nova imigração proveniente da Ásia (Índia, Nepal, Paquistão – e já se contam por milhares os recém chehados) o panorama não melhorou, bm pelo contrário, tanto mais que esses novos residentes não sabem uma palavra de português, são presa fácil de traficantes, de empregadores sem escrúpulos para já não falar da estranheza que despertam na população residente  que, inclusive, os acusa de roubar empregos, de fomentar o aumento do preço da habitação e de tornar inseguras as ruas. 

Ser anti-racista deveria obrigar todos os que assim se declaram a perceber onde, como e porquê, se declaram os abcessos infames e perigosos da descriminação racial.

É fácil andar por í a berrar o quão racista o país é sem por outro lado cuidar de perceber como é que isso é possível.

Conviria lembrar que, neste país racista há um primeiro ministro “monhé”, indiano, “preto” eleito com uma tremenda maioria absoluta  que já teve no seu governo uma ministra negra retinta, inda por cima proveniente de uma das mais famosas famílias independentistas de Angola. Poderia juntar-lhes algumas personalidades, desde deputados até membros da Academia e profissionais de grande qualidade e prestígio vindos todos das minorais raciais, mormente da adro-descendente.

Não meto no pacote, artistas e desportistas não porque os desconsidere mas apenas porque desde sempre cá estiveram e em muitos casos foram respeitados. Não é necessário invocar o extraordinário Eusébio cuja ida para o Panteão não sofreu qualquer beliscadura. 

Numa sociedade predominantemente branca, ser negro dá nas vistas. Numa sociedade predominantemente católica, se muçulmano ou hindu, chama a atenção como, em tempos, ocorreu com protestantes ou evangélicos.

Não sei (e também não me preocupa demasiadamente) se consegui com este texto tentar não um branqueamento mas um princípio de explicação para uma realidade que, repito, é absolutamente detestável  mas que irá exigir um longo, duro, difícil caminho de erradicação.

A começar por limitar exageros condenatórios que de tão evidentes desmobilizam muita gente. 

Portugal é um pais razoavelmente normal, razoavelmente seguro, razoavelmente decente e bem menos xenófobo de que muitos, muitíssimos, outros. Lembraria certos casos de países centro e sul americanos onde jamais se vê um negro, sequer um mulato, com funções dirigentes mesmo se tais países tenham minorias raciais gigantescas. Melhor dizendo, mesmo se nesses países os brancos sejam minoritários face a descendentes de africanos e de povos indígenas...  (será preciso mencionar Cuba ou a Venezuela, ou mesmo o México?) 

E nem sequer vou levantar a questão de certas perseguições de minorias africanas em África. Basta lembrar o estatuto (não oficial) dos negros albinos que um preconceito horrendo marca para perseguir ou até matar ou as guerras intestinas que desde há muito dilaceram países que, dentro de fronteiras saídas de Berlin, enfrentam povos e etnias quase ao ponto de criar condições muito próximas de genocídio.

Isto, esta peçonha racial mascarada muitas vezes com rivalidades étnicas, linguísticas ou religiosas, está vivo e recomenda-se numa África que cinquenta anos depois das independências assiste a dramas inomináveis. 

Não basta pois denunciar, de dedinho espetado, algum racismo  avulso mesmo se evidente. Uma epidemia vence-se encontrando os medicamentos, as vacinas necessários para sufocar de vez o mal.  E isso vai demorar mais umas largas dezenas (sou um optimista) de anos.

 

publicado por d'oliveira às 17:17
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Sexta-feira, 31 de Dezembro de 2021

estes dias que passam 622

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Ano que vai, ano que vem…

mcr, 31-12-21

 

 

estas datas são sempre férteis em ilusão e e esperança desvairadas. Isto, sabe-se, desde que o mundo é mundo e os votos e promessas de novo ano, vida nova se inventaram.

Porém, todos prosseguimos teimosamente nesse caminho e, de certo modo, ainda bem. Ao menos que uma vez por ano se queira que as coisas melhorem ...

Daí que o escriba também se junte à multidão (de que , aliás, faz parte) e estabeleça três metas para 2022:

que o ano seja pródigo em algo tão simples quanto o bom senso;

que o politicamente correcto vá, mesmo que paulatinamente, mirrando;

que a miséria em Portugal vá desaparecendo (digo miséria pois não me atrevo a pensar para já no fim da pobreza. Bastar-me-ia saber que a miséria foi ou começou a ser seriamente erradicada. É um objectivo difícil mas para tudo há um começo. Saber que umas dezenas  (ou centenas, que sei eu?) de milhares de pessoas saíram desse patamar seri a, desde logo, algo de espantosamente formidável.

No que toca ao politicamente correcto, basta pensar que essa moda importada por medíocres, usada por incompetentes é também ela uma das armas mais perigosas da estupidez e da maldade. No domínio do cultural, campeia alegremente e até já tem honras de páginas de jornal, até dos mais decentes ...

O bom senso vale por si mas recomenda-se especialmente aos decisores políticos, económicos e financeiros, governamentais ou particulares. Também aqui se daria um passo de gigante em prol de uma sociedade portuguesa mais livre, mais consciente, mais culta e, porque não?, mais ambiciosa.

O ano que hoje acaba não foi bom, mesmo que pudesse ter sido ainda pior. Esperamos que o próximo não repita os  maus passos deste e nos evite outros que, a natureza humana é fraca estão seguramente à espreita.

Bom ano para todos, leitores e companheiros de blogues.

Até Janeiro, mês de gatos, de luares magníficos e frio. Um mundo novo pode começar a despontar.

 

(e paz na terra aos homens de boa vontade)

*encontrei esta imagem de luar e agradeço a que a assoviou

 

 

publicado por d'oliveira às 16:08
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Sexta-feira, 3 de Maio de 2019

Estes dias que passam 323

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Andam a brincar aos orçamentos?

mcr 3.5.19

 

Uma extraordinária coligação (PC, BE, PSD e CDS-PP) votou ontem algo também extraordinário: a devolução do tempo total de serviço aos professores.

Resulta deste voto (e já iremos ver o resto) que o PS sofreu uma pesada e humilhante derrota.

Aliás, a vaga e infantil ameaça do sr. Carlos César (uma mediocridade importada dos Açores...) de demissão do Governo traz a esta aliança contra-natura um pouco de pilhéria que, infelizmente, só provoca sorrisos forçados e aumenta o descrédito na personagem e no partido que ela, pelos vistos, representa.

Vamos por partes:

Alguma vez, in illo tempore, o PS foi favorável a tal medida?

Parece que sim, que isso decorre de promessas eleitorais e (antes) de declarações contra o anterior Governo de Passos Coelho. Na altura, o PS não se coibia de fazer fogo com tudo o que lhe vinha à mão. E durante todo o tempo passado após a sua miraculosa subida o Governo amparado pela mão ardilosamente generosa do PC, também não houve especial cuidado em definir com precisão e cuidado quais os limites à pretensão dos sindicatos de professores. Porém, a promessa de pagar 2 anos, nove meses e alguns dias já abria uma brecha nas famigeradas “boas contas” de Centeno. Pior: ninguém percebia como é que se chegara a este número e não a qualquer outro, igualmente aleatório.

Seria bom recordar que o PSD e o CDS nunca foram, durante anos, adeptos desta medida mesmo se não recaia sobre eles o alegado (e real) roubo de tempo de serviço. Ao aceitarem juntar os seus votos aos do PC e do BE demonstraram estar nisto com o mesmo espírito de chicana com que os restantes se governaram.

São as eleições vizinhas que impõem esta declaração de guerra ao PS? Sem dúvida. É o PS inocente e prudentes nesta questão? De modo algum: o PS sabia, sempre soube, desde o primeiro dia, que PC e BE lhe iriam passar esta factura. Esta e outras como, por exemplo, a irresponsável reversão do IVA sobre a restauração ou as 35 horas na função pública que introduziu, ou fortaleceu ainda mais, o caos nos hospitais.

Aliás, o PS, desprovido há muito de qualquer sistema ideológico coerente, andou nestes últimos tempos num desnorte absoluto. Veja-se, apenas, e como exemplo, o caso da nova lei de bases da saúde. Dando de barato que uma nova lei era necessária (e nada o prova) eis que a sua desastrada e desastrosa Ministra da Saúde entendeu comprometer-se com o BE com “propostas de trabalho” em que dava mis uma machadada nos tenebrosos privados. Claro que o BE não se coibiu de trazer à duvidosa luz do dia este compromisso que pôs uma forte maioria do PS aos uivos.

Vai daí, o PS retratou-se afirmando que aquilo (a sua triste proposta) era apenas um documento de trabalho (como se este género de documento não configurasse algo de fartamente real e mais que comprovado pela sanha da Ministra que, em vez de acudir ao urgente, se entretém a tentar rebaixar a Bastonária dos enfermeiros (que aliás se põe sem rebuço, nem prudência, nem bom senso,) a jeito atirando-lhe às canelas uma sindicância que faz lembrar os velhos tempos do Estado Novo.

(é verdade é que esta Ministra é imprestável, disfarçando com o seu ar azougado a impreparação para o cargo e a falta de visão para os formidáveis desafios que aí vem se é que ainda cá não estão. De todo o modo, esta senhora, inquestionável prova do imortal principio de Peter, está a prazo e aposta-se singelo contra dobrado que não fará parte do próximo elenco governativo caso o PS vença as eleições. E digo “caso” porque com estas sucessivas “argoladas” Costa esbanja alegremente os trunfos que ainda tem.)

Todavia, e a favor de Costa estão também os partidos da Oposição. O CDS ainda se percebe: nada tem a perder e a sr.ª Cristas acha que tudo lhe serve para minar o terreno do PPD. Porém, este também não faz a coisa por menos. Supondo que ganhasse as eleições como é que resolvia o imbroglio dos professores sobretudo se, na mesma trincheira, e à espreita, estão os militares, as polícias, a GNR, os guardas prisionais e tutti quanti que também sofreram cortes similares na carreira e nos ordenados?

Quanto aos aliados nesta vaga “frente popular” há que distinguir o PC (e o seu acólito verdinho) do BE. O primeiro tem uma estratégia definida desde há muito tempo e, por mais sobressaltos que o comunismo tenha sofrido, mantem-se fiel a um programa e aos seus apoiantes. Estes podem estar envelhecidos –e estão – mas votam sem a menor sombra de dúvida no que o Partido propuser. As notícias sobre revoltas dentro do “aparelho” e em certos núcleos de militantes são (como o PC afirma, aliás) mais atoardas do que ameaças sérias. Mesmo que existam aqui e ali alguns dissidentes, a verdade éque o “centralismo democrático” reduzirá a ferida a uma coisa pouca. À cautela, já se procedeu a um par de exclusões e ao afastamento de outros tantos elementos duvidosos.

E o BE? Aqui o problema é diferente. Primeiro, porque os bloquistas andaram todo este tempo a tentar tornar-se úteis senão imprescindíveis ao PS. Eles (e não é por acaso que naquele albergue espanhol se acolhem bastantes trotskistas) apostaram no “entrismo” mesmo se, de quando em quando, alguém mandatado para isso manifestasse oposição ao PS. Só que, sem a poderosa disciplina interna do PC, há, naquele bloco mal fissurado, algumas tribos mais puristas que se fartaram de ver a Direcção a assobiar para o lado. O PS, por seu lado, nunca teve grande confiança no BE tanto mais que este não representa uma força eleitoral significativa. Atrai os votos de massas urbanas educadas mas falha nas frentes sindical e autárquica. E está mais permeável a modas culturais e políticas que o conservadorismo inato do PS rejeita e desconfia. Mais, o PS atirou recentemente para a frente um par de “esquerdistas” que poderão atrair bloquistas mais interessados na governação e na influência que um lugar nos gabinetes oferece.

O BE está pois dividido entre duas alternativas: ou manter-se como grupo reivindicativo e anti-sistema, agregador de minorias activas com alguma influencia nas classes urbanas jovens e educadas sempre prontas a abraçar a última novidade ou começar o seu caminho de Damasco de ingresso no PS e na área de poder. Pese as enormes diferenças há um exemplo esquecido, o MES que, nos anos oitenta depois de se ter auto-subvertido, viu boa parte da sua ala esquerda acorrer ao PS que, entretanto já tinha fagocitado o grupo dos ex-GIS, primeira grande dissensão (“à direita”) do mesmo partido.

(não que eu queira comparar os militantes da extinta Esquerda Socialista vindos quase todos das lutas académicas e políticas dos anos 60 e 70, da resistência católica ou do sindicalismo da mesma época com, por exemplo, os elementos mais em vista do BE, mormente as irmãs Mortágua, Catarina Martins, Marisa Matias ou Pedro Filipe Soares chegadas à política muito depois do 25 de Abril, do PREC e dos anos subsequentes. O facto de notoriamente serem da geração dos filhos dos primeiros não deve ser considerado uma capitis deminutio mas evidencia apenas experiências políticas (e assunção dos riscos inerentes) muito diferentes.)

Todavia, nada disto justifica o ardor com que alguns bloquistas parecem querer queimar os barcos em que chegaram e tornar impraticável qualquer exercício orçamental para os próximos anos. Isto se o seu objectivo for um país democrático e inserido na UE. Caso tenham como objectivo um paraíso à Kim Jong-Un (já que nunca conheceram a Albânia socialista) então estão no bom caminho. Resta saber se os portugueses estão de acordo.

publicado por d'oliveira às 17:51
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Terça-feira, 8 de Janeiro de 2019

Estes dias que passam 385

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Indo por partes

mcr 7/8, Jan, 2019

O país, algum país, provavelmente apenas uma pequena parte, está comovido, exaltado, indignado ou, simplesmente, excitado. A causa tremenda é conhecida: um pobre diabo, um indivíduo sem a mínima representatividade (política, moral, social) apareceu num programa da manhã a responder a uma questão (também ela) pouco interessante. Tratava-se, ao que li e agora estou farto de ouvir, de saber se Salazar, enfim o seu impertinente fantasma, estava vivo (como o de Stalin nos corações progressistas de uns centos de criaturas “m-l” que ainda hoje rodam por aí dentro de partidos legais ou de frentes partidárias assumidas e com responsabilidades) e se seria necessário o seu regresso. Convenhamos que a pergunta não era do mais inteligente e que denotava falta dolorosa de tema para uma televisão ou para um programa (ou para um mero apresentador).

Todavia, um tal Manuel Machado, assanhado cabeça rapada, foi ao dito programa dado, pelos vistos, ter “opiniões polémicas”. No caso polémico deve significar burro (e não me refiro só ao entrevistado...).

Na questão de polémicas ficou-se por pouco. Regougou umas frases com escasso sentido e pior gramática, afirmou que não era contra os homossexuais nem contra os pretos e deixou no ar – ao que consigo perceber dos relatos confusos mas palavrosos que vão chegando – a ideia de que com uma extrema direita daquele género podemos nós, sem sequer erguer um pé para uma canelada. A coisa foi, e estou a ser generoso, risível. Direi mesmo que convinha repetir o programa duas, dez, vinte vezes para que o público português percebesse que se o perigo é aquilo então poderemos dormir descansados. Um pouco como a prestação da senhora Le Pen frente a Macron: um desastre e uma goleada do actual presidente francês.

Uma segunda constatação, também prévia decorre da personagem entrevistada. A criatura tem antecedentes criminais e não poucos inimigos no meio onde vegeta. Foi condenada e esteve na cadeia largos anos pelo que, nesse domínio, pagou à sociedade as suas malfeitorias. E pagou-as pesadamente, ao contrário de algumas “personalidades” que, volta que não volta, se pavoneiam nas televisões indígenas e que tem nas mãos o sangue inocente de umas quantas “vítimas colaterais”. Não consta que tenham sido julgadas e condenadas e, pelos vistos, aquilo, aquela autoria moral descabelada, parece ter sido um pecado venial, umas dores do parto da democracia, uns pequenos excessos perdoáveis pela opinião pública já esquecida (ou apenas conformada com uma justiça a várias velocidades e com a conveniente amnésia política da nomenkatura).

Portanto, vir agora, relembrar o passado prisional do tal Machado parece-me uma segunda tentativa de condenação por factos já julgados e punidos.

Porém, o pior disto tudo, desta gritaria escandalizada de filisteus é confundir uma burrice televisiva com um golpe de Munique, com uma marcha sobre Roma, com um 28 de Maio, com a “cruzada” do Franco, para já não falar do tropical Jair que arrota postas de pescada num português lamentável diante da impassível e fraterna testemunha que de Portugal lá foi para defender a CPLP, a “amizade” luso-brasileira, os restos de uma colónia de portugueses em terceira geração que, eventualmente, terão aplaudido o capitão “mito” com ambas as mãos.

Hoje os jornais noticiam que mais de trezentas “personalidades” e um quarteirão de pessoas colectivas (de que pouca gente ouviu falar, cuja actividade era até agora desconhecida ou mínima) escreveram uma “carta aberta” que, francamente, também não demonstra que os redactores tenham inventado a pólvora. Nos últimos dias o sindicato dos jornalistas, uma alta autoridade que tutela a imprensa, vários jornalistas e comentadores com tabuleta na última página de um jornal de “referência”, enfim todos, ou quase, ou seja, os do costume, vieram subscrever-se no politicamente correcto em bicos de pés, “também eu, também eu”... Deprimente!

Contra a corrente, só li Pacheco Pereira, honra lhe seja, que marcou com segurança as fronteiras desta nova guerra do alecrim e da manjerona.

Entre os indignados sobressai a baça figura do senhor Ministro da Defesa que num tweet alardeou duas considerações de fraca qualidade e uma imagem de florestas a arder para agradar a incendiários. S.ª Ex.ª ministro da “grande silenciosa” (as forças armadas) deveria ter reflectido cinco minutos andes de se esganiçar contra a estação de televisão onde os factos horrendos se passaram. É que poderia alguém, de má fé, claro!, pensar que na declaração do cidadão que, aliás, é ministro e não dos menores, perpassava a sombra de uma coação. Claro que S.ª Ex.ª nunca, de nenhum modo, sequer em sonhos, quis dar essa penosa impressão. Não quis mas deu.

Do senhor ministro espero com intranquila ansiedade algo sobre a merda de Tancos e sobre os que sabiam do que se tratava. Falo de militares e de civis e dos importantes. Até à data, nada, zero, raspas de raspas... Como se, cada vez mais, o rol de culpados e conhecedores alastrasse qual mancha de azeite e fosse paulatinamente atingindo muita gente acima de toda a suspeita (se é que se lembram de um filme italiano de Elio Petri: “indagine sul un citadino al di sopra di ogni sospetto” (1970, um grande filme político)

S.ª Ex.ª tem o direito de cidadania como é evidente. No entanto, é ministro. E um ministro tem de saber que tudo o que faz ou diz é escrutinado pelos cidadãos, amigos ou adversários, como já ocorreu um par de vezes com outros membros do actual executivo, mormente a senhora Fonseca, ou, antes, o senhor João Soares o “esbofeteador” e aquela senhora ministra da Administração Interna de que já nem o nome recordo. Aos senhores ministros pede-se trabalho, zelo, competência e que despachem as matérias que lhes competem com brevidade e sensatez. Não precisam, como Tartufo, de vir para arena bater três vezes com a mão no peito. A gente sabe que o senhor ministro é democrata, dos quatro costados. Se quiser adversários escolha um à sua altura melhor que um rapazola já entrado em anos, de suástica no braço e poucas ideias na cabecinha sonhadora.

Não quero com isto dizer que me não preocupam os assomos autoritários de governantes seja cá seja no Brasil, na Venezuela, na Guatemala, na Coreia do Norte ou na China. Ou no leste europeu onde perpassa um cavalheiro húngaro que também foi fraternamente abraçar o Bolsonaro. Vivi trinta e três anos da minha vida sob um poder rural, católicão, gangrenado por dentro, incapaz de pensar o mundo exterior e de perceber a sociedade portuguesa. Não me conformei e recusei-me a ser súbdito dessa gente. E lá marchei para cadeias variadas. O melhor da minha vida passou-se nesse universo cinzento, pesado e triste. Apesar de tudo tive sorte, porquanto alguns centos de portugueses tiveram pior estadia nas cadeias e por mais tempo. Talvez a minha juventude me tivesse salvo de horrores piores. Duma coisa estou certo. Esses anos e os primeiros da democracia curaram-me de várias coisas, entre elas do hábito de gritar pelo lobo mesmo se apenas se avista um pobre cão. E de ver o mundo a preto e branco. Dum lado os atentados à liberdade pessoal são monstruosos do outro, simétrico, são louváveis esforços de construir o futuro. Não são. Ponto, parágrafo.

Se, e quando, o autoritarismo anti libertário vier, não terá o Machado como anjo anunciador, podem estar certos. Espero que, nessa altura, os que se apressam a ver a floresta a arder mesmo quando a luz que se avista seja apenas a de um pirilampo à procura de fêmea, se exaltem e se disponham a agir. A agir. A impedir. A dizer, alto e bom som, NÃO.

Até lá, bom ano.

* Na gravura: o ovo da serpente (filme de Ingmar Bergman)

publicado por d'oliveira às 12:29
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Sábado, 14 de Maio de 2016

estes dias que passam 338

“É assim que se faz a história”

“estamos no extremo ocidental de uma europa gangrenada...”*

 

O título não é meu. Pertence a Eduardo Guerra Carneiro (1942-2004), excelente poeta e meu velhíssimo amigo com quem comecei a privar cerca de 1962. Até ao seu (in)esperado suicídio sempre nos encontramos à volta de uma cerveja, do amor pelos gatos, da poesia e das suas inesgotáveis paixões. EGC vivia em estado de permanente paixão e conheci-lhe uma boa dúzia de musas só pelo ele me confidenciava.

O seu fim de vida não foi bom. Alcoólico (como tantos outros poetas), generoso como poucos, cronista talentoso e jornalista de mão cheia, era senhor de uma notável cultura. Nos anos duros, fora um resistente no sentido mais nobre da palavra. Matou-se atirando-se da janela para a calçada (Jorge Silva Melo, outro amigo comum e talentoso, dedicou-lhe uma belíssima crónica: “o poeta que atirou para as estrelas”. Era bom que se reeditassem as suas obras ou, pelo menos, que se publicasse uma boa antologia dos seus poemas. No mercado alfarrabista, os seus livros são apreciados e muito procurados, o que é sempre um bom sinal.

Fechemos porém este introito literário para nos mergulharmos a contragosto no tema desta crónica: as desventuras da História e os seus causadores.

Anda por aí, na última página do “Público” um cavalheiro que se assume como “historiador” mesmo se, desse ponto de vista, se lhe conheça obra assaz escassa.

A propósito da Europa, melhor dizendo da União Europeia, ei-lo que, num incomparável exercício de lirismo político, entendeu juntar a Schumann, putativo pai desta agremiação, um político italiano (Altiero Spinelli) que seria (é ele quem o diz) comunista. Spinelli teria, ainda durante a época mussoliniana, sido exilada para um remoto ponto do país e aí surgiu-lhe a ideia de uma Europa Unida que travasse a lepra fascista.

Não se sabe exactamente como é que isso se conseguiria (ou, reportando-nos à actualidade, se consegue) sobretudo porque no “limes” europeu existia a União Soviética que em brevíssimo tempo haveria de engolir os países bálticos e parte da Polónia, para já não falar no que acontecera a algumas das “repúblicas” unidas (o caso mais exemplar é o da Ucrânia mas algumas das nações do Cáucaso sofreram idêntico destino, ou seja perderam toda e qualquer independência teórica de que na constituição soviética beneficiavam.

Mas a coisa vai ainda mais longe. Se é verdade que Spinelli foi na sua juventude desde os 17 anos) membro do PCI não menos verdade é que depois de fazer 30 anos começa a afastar-se do Partido (uma camarada afirma nesses anos (1937-1943) que as posições de Altiero são “perigosíssimas dado que põem em causa o estalinismo. E, logo em 1937, é expulso do PCI sob a habitual acusação de minar a ideologia bolchevique e de não ser mais do que um pequeno burguês ou até (crime ignominioso) de poder ser um trotskista!!!

Em 1941, quatro anos depois da expulsão escreve o “Manifesto per una Europa libera e unita” que depois circulou com o nome “Manifesto di Ventotene".

Nos anos que seguiram Spinelli torna-se membro do Partito d’Azione e, em 1945, participa na primeira conferência Federalista Europeia. Pouco depois funda o Movimento della Democrazia Republicana (posteriormente Concentrazione Democratica Repubblicana) .

Os partidos comunistas combateram asperamente os amigos de Spinelli e jamais admitiram qualquer espécie de unidade europeia, aliás impossível desde a criação da Cortina de Ferro.

A Europa tal qual a conhecemos foi aliás, em grande parte, uma reacção à ideia comunista e ao bloco soviético.

Spinelli viria a ser deputado em Itália e deputado europeu até à sua morte. E se é verdade que nos últimos anos participou como independente nas listas do PCI, não menos verdade é que este operara, em relação à URSS e às “democracias populares” uma reviravolta que, na prática, como aliás depois se confirmou, o afastava velozmente do ideário marxista e de quase todos (senão todos) os postulados do “movimento comunista internacional”. Para qualquer estudioso daquela época, Spinelli era fundamentalmente um membro da “esquerda democrática” situando algures entre Nenni e Panella (ou seja entre um dos mais famosos socialistas italianos e o máximo exponente do Partido Radical Italiano.

O texto do “nosso” historiador simplifica tudo deixando crer que “um jovem comunista” confinado num ermo lugar italiano escrevera um manifesto favorável a uma europa anti-fascista. Poderia acrescentar “e anti-comunista” mas isso ficou no tinteiro.

Aliás, mesmo hoje, se é verdade que a UE mantém a matriz anti-fascista não menos verdade é que a ideia europeia foi desde o seu primeiro momento uma clara negação de qualquer afinidade com o “socialismo real”. E como tal foi percebida e acusada pelos políticos de Leste, pelos partidos comunistas de Oeste e ainda hoje, por cá, é algo de horrendo para a nossa inteligentsia comunista (e afins). Só Tavares não sabe disto ou, sabendo-o, cala-o e vai disparando as suas escassas munições de pólvora seca sempre anti-fascista (se é que ele sabe o que isso é) e sempre ultra-progressista como ele gostaria de parecer. É assim que a história se vai fazendo...

*Eduardo Guerra Carneiro: in “como quem não quer a coisa” ( ed. &etc, 1978)

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Sexta-feira, 13 de Maio de 2016

estes dias que passam, 327

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“É assim que se faz a história”

“estamos no extremo ocidental de uma europa gangrenada...”*

 

O título não é meu. Pertence a Eduardo Guerra Carneiro (1942-2004), excelente poeta e meu velhíssimo amigo com quem comecei a privar cerca de 1962. Até ao seu (in)esperado suicídio sempre nos encontramos à volta de uma cerveja, do amor pelos gatos, da poesia e das suas inesgotáveis paixões. EGC vivia em estado de permanente paixão e conheci-lhe uma boa dúzia de musas só pelo ele me confidenciava.

O seu fim de vida não foi bom. Alcoólico (como tantos outros poetas), generoso como poucos, cronista talentoso e jornalista de mão cheia, era senhor de uma notável cultura. Nos anos duros, fora um resistente no sentido mais nobre da palavra. Matou-se atirando-se da janela para a calçada (Jorge Silva Melo, outro amigo comum e talentoso dedicou-lhe uma belíssima crónica: “o poeta que se atirou para as estrelas”. Era bom que se reeditassem as suas obras ou, pelo menos, que se publicasse uma boa antologia dos seus poemas. No mercado alfarrabista, os seus livros são apreciados e muito procurados, o que é sempre um bom sinal.

Fechemos porém este introito literário para nos mergulharmos a contragosto no tema desta crónica: as desventuras da História e os seus causadores.

Anda por aí, na última página do “Público” um cavalheiro que se assume como “historiador” mesmo se, desse ponto de vista, se lhe conheça obra assaz escassa.

A propósito da Europa, melhor dizendo da União Europeia, ei-lo que, num incomparável exercício de lirismo político, entendeu juntar a Schumann, putativo pai desta agremiação um político italiano (Altiero Spinelli) que seria (é ele quem o diz) comunista. Spinelli teria, ainda durante a época mussoliniana, sido exilada para um remoto ponto do país e aí surgiu-lhe a ideia de uma Europa Unida que travasse a lepra fascista.

Não se sabe exactamente como é que, para um comunista, isso se conseguiria (ou, reportando-nos à actualidade, se consegue) sobretudo porque no “limes” europeu existia a União Soviética que em brevíssimo tempo haveria de engolir os países bálticos e parte da Polónia, para já não falar no que acontecera a algumas das “repúblicas” unidas (o caso mais exemplar é o da Ucrânia mas algumas das nações do Cáucaso sofreram idêntico destino, ou seja perderam toda e qualquer independência teórica de que na constituição soviética beneficiavam.

Mas a coisa vai ainda mais longe. Se é verdade que Spinelli foi na sua juventude dos 17 anos até perto dos 30) membro do PCI não menos verdade é que depois de fazer 30 anos começa a afastar-se do Partido (uma camarada afirma nesses anos -1937-1943- que as posições de Altiero são “perigosíssimas dado que põem em causa o estalinismo. E logo em 1937 é expulso do PCI sob a habitual acusação de minar a ideologia bolchevique e de não ser mais do que um pequeno burguês ou até (crime ignominioso) de poder ser um trotskista!!!

Em 1941, quatro anos depois da expulsão escreve o “Manifesto per una Europa libera e unita” que depois circulou com o nome “Manifesto di Ventotene.

Nos anos que se seguiram Spinelli torna-se membro do Partito d’Azione e em 1945 participa na primeira conferência Federalista Europeia. Pouco depois funda o Movimento della Democrazia Republicana (posteriormente Concentrazione Democratica Repubblicana) .

Os partidos comunistas combateram asperamente os amigos de Spinelli e jamais admitiram qualquer espécie de unidade europeia, aliás impossível desde a criação da Cortina de Ferro.

A Europa tal qual a conhecemos foi aliás, em grande parte, uma reacção à ideia comunista e ao bloco soviético.

Spinelli viria a ser deputado em Itália e deputado europeu até à sua morte. E se é verdade que nos últimos anos participou como independente nas listas do PCI, não menos verdade é que este operara, em relação à URSS e às “democracias populares” uma reviravolta que, na prática, como aliás depois se confirmou, o afastava velozmente do ideário marxista e de quase todos (senão todos) os postulados do “movimento comunista internacional”. Para qualquer estudioso daquela época, Spinelli era fundamentalmente um membro da “esquerda democrática” situando algures entre Nenni e Panella (ou seja entre um dos mais famosos socialistas italianos e o máximo expoenente do Partido Radical Italiano.

O texto do “nosso” historiador simplifica tudo deixando crer que “um jovem comunista” confinado num ermo lugar italiano escrevera um manifesto favorável a uma europa anti-fascista. Poderia acrescentar “e anti-comunista” mas isso ficou no tinteiro.

Aliás, mesmo hoje, se é verdade que a UE mantém a matriz anti-fascista não menos verdade é que a ideia europeia foi desde o seu primeiro momento uma clara negação de qualquer afinidade com o “socialismo real”. E como tal foi percebida e acusada pelos políticos de Leste, pelos partidos comunistas de Oeste e ainda hoje, por cá, é algo de horrendo para a nossa inteligentsia comunista (e afins). Só Tavares não sabe disto ou, sabendo-o, cala-se e vai disparando as suas escassas munições de pólvora seca sempre anti-fascista (se é que ele sabe o que isso é) e sempre ultra-progressista como ele gostaria de parecer. É assim que a história se vai fazendo...

*Eduardo Guerra Carneiro: in “como quem não quer a coisa” ( ed. &etc, 1978)

publicado por d'oliveira às 11:02
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Quinta-feira, 7 de Abril de 2016

estes dias que passam 341

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Os amigos de Angola

Angola ou, melhor dizendo, a sua cleptocrática classe dirigente tem amigos à fartazana: ainda há dias um inócuo protesto contra o julgamento de Luati & camaradas presos, morreu na praia do parlamento pelos votos contra da Direita e da Esquerda.

Parece, diziam uns, que tal voto tornaria difícil a vida dos trabalhadores portugueses lá expatriados bem como a das empresas nacionais que lá operam. Outros atinham-se à profunda amizade e camaradagem que os liga ao “revolucionário” MPLA de extinta e pouco saudosa memória.

No meio disto tudo um só naufrágio: a vaga e perdida ideia de que os nossos políticos defendem os Direitos Humanos onde que que seja. Sinais desta torpe situação desde sempre os tivemos: o inenarrável regime venezuelano tem cá apostados defensores (mesmo que não tenham – como corre – apoios financeiros aos respectivos partidos; a insistente presença da Coreia do Norte nas festas do Avante como se naquele país esfomeado corressem os bíblicos leite e mel.

Nunca ninguém, ou melhor: nunca ninguém com responsabilidades políticas se atreveu a questionar a imensa fortuna da senhora Isabel dos Santos (por acaso filha do presidente perpétuo de Angola, José Eduardo dos Santos) ou as outras imensas fortunas dos ministros, ex-ministros, generais, membros influentes do partido quase único (ou até único no que toca à tomada de decisão política) que gere desde sempre com mão de ferro o país.

Angola, para boa parte dos nossos media, é intocável. Durante algum tempo, ainda pensei que a coisa tinha a ver com os remorsos da colonização. Em Portugal temos sempre imensa vergonha do nosso passado sobretudo porque com uma fatal e atrevida ignorância o vemos sempre com os olhos do presente.

Lembro-me sempre do dr Mário Soares a pedir desculpa por um pogrom ocorrido em Lisboa por alturas do reinado de D Manuel. Em breves palavras a história é a seguinte: dois inflamados frades lembraram-se de afirmar que um cristão novo teria tentado profanar ou simplesmente teria duvidado de um milagre ocorrido no Convento de S Domingos. À conta disso uma multidão exaltada percorreu as ruas e chacinou enre duzentos e quatro mil judeus, cristãos novos ou simples pessoas que os tentaram defender. Ao saber disto, o rei ausente no Alentejo mandou juízes À cidade e castigou com exemplar severidade os amotinados (houve várias condenações à morte) e privou os procuradores da cidade de vários e antigos direitos políticos. O próprio convento e a sua congregação sentiram a mão pesado do Rei e se bem recordo o convento chegou a estar encerrado. Ou seja: a um incontrolado movimento de uma população ignorante, estúpida e fanatizada correspondeu um castigo juridicamente tutelado que só honra quem governava. É o gesto do rei que representa de jure a Nação Portuguesa e não o desvario de um bando de arruaceiros cheios de vinho e de ódio.

Todavia, com a melhor das intenções mas desapoiado de um mínimo de conhecimento histórico, o dr Mário Soares entendeu cobrir a cabeça de cinza e penitenciar-se por algo ocorrido vários séculos antes como se os portugueses da segunda metade do século XX herdassem os costumes, o fanatismo e as ideias do ano de 1504!!! É obra!

 

Voltando às nossas devoções: também agora, em pleno sec. XXI, ao falar de Angola, vem-nos à pobre (des)memória a colonização, a escravatura, a ocupação de Angola (sobretudo entre o quarto final do sec.XIX e o quartel inicial do séc. XX que foi quando de facto se construiu a actual Angola) e desse cocktail mal digerido vem a ideia peregrina de que tudo se deve perdoar aos actuais e angélicos ricos dirigentes de Angola.

Lamento muito: não somos responsáveis de perto ou de longe pela actual situação angolana. Não somos responsáveis pela medonha guerra civil que teve mais mortos do que toda a façanhuda ocupação portugusea; não somos responsáveis pela repressão das gentes de Nito Alves que terá custado mais de 30.000 vítimas. Não somos responsáveis pelos delírios do dr Agostinho Neto, pela poesia admirável do dr Jonas Savimbi (mimosamente editado pelo seu incondicional admirador e editor, sr. João Soares. Não somos responsáveis (mesmo se o toleramos e dele nos aproveitamos) do súbito enriquecimento da srª Isabel dos Santos e restantes colegas.

(Convém, no entanto, anotar que quando entre as esferas do actual poder se põe a hipótese de “arrenegar” da banca espanhola para, em vez dela, pôr tal senhora ao leme de bancos portugueses, não parece descabido lembrar que tal operação mais parece uma tentativa de legitimar uma lavagem de dinheiro do que outra coisa menos tristonha. E, pior: manter a nossa banca em mãos tão estranhas quanto ávidas. Ou ainda: trocar de donos mas não de coleira!).

Angola, pede ajuda ao FMI. Ainda estou por perceber por que é que os prestimosos PCP e BE sempre prontos a denunciar os malefícios do capitalismo não propõesm aos seus amigos de Lunda a nacionalização imediata dos bens da extremosa filha do Presidente edos restantes cavalheiros que escandalosamente se apresentam com gigantescas fortunas.

Não é a baixa cotação do petróleo que avaria o sistema angolano. É o roubo e a corrupção generalizados e bem patentes que atiram o país para o fundo. É a falta de direitos elementares; é o desprezo por noventa por cento da população que vive miseravelmente; é a cumplicidade que vários governos mantêm com os senhores de Angola e o tolerar inacreditável com os editoriais do jornal oficial de Angola que, ao menor pretexto, ladra contra adversários de dentro ou de fora; é a incapacidade de uma classe dirigente para gerir decentemente um país. Angola estende a mão ao FMI. Vejamos se este se comporta com ela com um rigor pelo menos idêntico ao que usa com outros países em dificuldades.

Mesmo se, como julgo, só uma revolução a sério, possa eventualmente salvar Angola.

na gavura: mácara tu-tschokué (Lunda)

 

publicado por d'oliveira às 11:29
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Quinta-feira, 12 de Novembro de 2015

Estes dias que passam 338

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Três mortes

 

Morreram subitamente, ou quase, três pessoas pr quem sentia respeito, estima ou consideração. Comecemos por Helmut Schmidt, ex-chanceler alemão e destacado dirigente socialista. Schmidt, afastado do poder há muito, marcou uma época de grande criatividade para a Alemanha e foi (como Brandt, Adenauer ou Kohl) um dos maiores dirigentes da Alemanha, um europeísta convicto, um defensor da paz e um intelectual brilhante. Não pode esquecer-se o seu papel como editor de Der Spiegel, uma revista semanal obrigatória para quem quer sair do acanhado campo daa imprensa nacional.

 

André Glucksmann, um velho conhecido meu dos tempos em frequentei a “gauche proletarienne”, tinha uma obra notável no campo do ensaísmo político e outra, mais notável ainda, na luta pelos Direitos Humanos. Muitas vezes foi apenas uma voz solitária a bradar no deserto mas sem ele, provavelmente, Sartre e Aron (sobretudo o primeiro) não se teriam empenhado na defesa dos “boat people” vietnamitas. Não foi o seu único cmbate mas foi talvez o mais mediático e o mais incómodo. Para muita gente (eu incluído) que tinha feito a propaganda da insurreição-guerra civil contra o regime corrupto de Saigão, foi doloroso e dramático verificar que, com o fim da guerra, começara uma desenfreada e medonha perseguição de milhões de pessoas cujo único crime era serem suspeitos de um presumível, embora improvável dadas as circunstâncias, não-alinhamento com a ortodoxia de Hanoi. Longe vão esses tempos agora tão desmentidos na prática pela política vietnamita! Glucksmann empenhou-se igualmente na denúncia do gulag, um sistema monstruoso que, por cá, ainda não foi alvo de qualquer reflexão pelos intelectuais e políticos do partido irmão do PCUS de horrenda memória. Feitios!

Como autor, AG deixou-nos quatro ou cinco textos de grande qualidade e impacto. Pessoalmente, recordo o primeiro que li “Devant la guerre” mesmo se deva reconhecer a enorme importância de “La cuisinière et le mangeur d’hommes”. E nunca esquecerei a qualidade das suas intervenções na televisãoo em especial no famoso programa de Bernard Pivot , “Apostrophes” (e eventualmente também –já não distingo- no Bouillon de culture do mesmíssimo Pivot.) Não estive sempre de acordo com ele, nomeadamente quando entendeu apoiar Sarkozy mesmo que lhe reconheça alguma razão circunstancial. De todo o modo, aquilo foi sol de pouca dura e Glucksmann viveu ainda o tempo suficiente para mostrar que mantinha intactas a sua rigorosa liberdade e indignação.

Finalmente, Paulo Cunha e Silva, uma morte súbita que não permite avaliar bem o que seria a sua passagem pelo pelouro da cultura da Câmara do Porto. De todo o modo, PCS já se tornara notado pelo seu dinamismo cultural, pela sua capacidade de intervenção crítica e pela facilidade com que conseguia mobilizar intelectuais de diferentes campos e práticas num arriscado exercício de pensar em comum, a cidade e a sociedade.

Os leitores perdoarão que mais uma vez me atreva a insistir que é gente como esta e não a tropa fandanga subitamente revelada pela política atual que mostra o que uma Esquerda moderna e sem arcas encoiradas, sabe, pode e deve fazer.

De todo o modo, dizer isto é chover no molhado. As criaturas agora reunidas no saco de gatos que é a actual coligação governativa nunca devem ter pensado em Schmidt, lido Glucksmann ou percebido ( tentado percorrer) o itinerário de Cunha e Silva. A exigência ética, estética e política é pão que não consomem amiúde se é que alguma vez ouviram falar dele. É com eles Estrelinha que os guie!...

publicado por d'oliveira às 10:55
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Quarta-feira, 5 de Agosto de 2015

Estes dias que passam 333

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O “herói” da Selva

As leitoras e leitores que me aturam (e com isso ganham o reino dos céus, os jardins do Profeta e o Valhala, tudo junto) hão-de ter tido notícia de um parvajola americano, dentista de profissão e exterminador de feras em grosso. É como o “Raid”: mata que se farta.

A triste criatura, alem do dinheiro que deve ter, obriga-se a caçar com arco e flecha, dando assim a entender que ele mesmo e o que lhe habita o crânio regrediu no tempo até épocas bem primitivas.

Caçar grandes animais (os cinco grandes: leão, leopardo, elefante, rinoceronte e mais outro que não me ocorre –tigre, hipopótamo, búfalo? - parece ser o must destas bestiagas que fazem da morte um desporto.

Coragem é que não lhes sobra. Estas criaturas mal pisam o solo antigo e belo de África, besuntam-se com uma meia dúzia de produtos contra os mosquitos, vão prevenidos com mil e uma vacinas, rodeiam-se de um regimento de criados, portadores, cozinheiro, pisteiros e, claro dois ou três experimentados caçadores profissionais. armados estes de autênticas espingardas de grande calibre.

À cautela levam toda esta comandita não vá o animal encurralado fazer frente à flecha e com uma patada mandar o verdugo injusticeiro para a puta que o pariu.

Este tipo de bardamerdas não pratica um desporto, sequer uma aproximação: são magarefes a matar bichos indefesos. Quando não acertam, ou acertam mal, lá vai o caçador profissional atrás do animal ferido para acabar com ele a tiro.

Estes anormais da caça não conhecem o terreno, nem precisam. Não correm outra aventura que não seja a picada de uma tsé-tsé (Deus as abençoe), de alguma vespa mal humorada ou de outra bicheza pequena e vingadora que, em lhe cheirando carne de branco burro e sem vergonha, logo lhe acode um frémito de alegria. Aquilo, o branquelas imbecil, é carne de primeira, da melhor, da importada. E vai daí pica o herói que se julga Tarzan, rei da selva e dos macacos.

A crónica deste arrancador de dentes é, aliás, ainda pior. Para matar um leão que, de tanto ver turistas, nem desconfiava deles, foi preciso atraí-lo para fora da reserva, usando uma carripana que arrastava carne morta e depois, bem enquadrado o bicho e bem defendido o matador, foi só despedir a flecha.

A criatura que, agora, anda escafedendo-se por parte incerta, já mandou uns amigalhaços afirmar que ele, o cobarde assassino, é bom homem (vê-se) e que foi enganado pela gentinha que contratou e a quem pagou. Está-se mesmo a ver. O palerma “não sabia nada do leão Cecil”, confiou nos sus apaniguados como se estes não soubessem o que estavam a fazer. É inacreditável que profissionais experimentados fossem logo propor aquele leão, num pais onde estes felinos abundam! Não tenho quaisquer dúvidas que o arranca-dentes sabia perfeitamente que aquele leão, famoso, com direito a nome próprio era um alvo fora de série. E pagou forte e feio para o liquidar. (e os outros ao cheiro da dinheirama, num pais em que a moeda local não vale sequer o papel em que é impressa -há algum tempo foi emitida uma nota de cem milhões de dólares zimbabueanos que de pouco ou nada servia – nem olharam para trás).

Estes assassinos de meia tigela são todos iguais: o cabrão que incendiou o templo de Artémis acreditava que com isso o seu nome nunca mais seria esquecido (aqui é-o, não cito estrume nem para mostrar conhecimentos). O assassino de John Lennon não tinha outra ideia naquela cabeça grotesca. E por aí fora.  

Este tira-dentes americano não é diferente nem na essência nem nos actos. É um pobre diabo estúpido e de maus instintos a quem sobra tanto dinheiro quanto lhe falta de inteligência e dignidade.

O Zimbabué, país cujo Governo se não recomenda a ninguém, sobressaltou-se. E pediu, ao abrigo de uma convenção existente com os EUA, a extradição do malfeitor. Espero ardentemente que consiga tal objectivo e que possa julgar o heróico arqueiro. E, se não for pedir muito, que o condene a uns tempos de prisão naquilo que, ao que sei, deve ser uma antecipação dolorosa da fossa comum. Ou então que o soltem com o seu armamento no meio de uma zona de leões esfomeados. Ou de hienas, que vem a dar no mesmo...

 

* ainda nem tinha começado a preparar a publicação deste folhetim eis que a internet me informa que o dentista tem uma alma gémea do sexo feminino que se fotografa junto a espécies bem menos perigosas mas igualmenteabatidas. Desta feita foi uma girafa a vítima. Qual será a glória de abater uma girafa? 

publicado por d'oliveira às 11:11
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