Sexta-feira, 3 de Maio de 2019

Estes dias que passam 323

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Andam a brincar aos orçamentos?

mcr 3.5.19

 

Uma extraordinária coligação (PC, BE, PSD e CDS-PP) votou ontem algo também extraordinário: a devolução do tempo total de serviço aos professores.

Resulta deste voto (e já iremos ver o resto) que o PS sofreu uma pesada e humilhante derrota.

Aliás, a vaga e infantil ameaça do sr. Carlos César (uma mediocridade importada dos Açores...) de demissão do Governo traz a esta aliança contra-natura um pouco de pilhéria que, infelizmente, só provoca sorrisos forçados e aumenta o descrédito na personagem e no partido que ela, pelos vistos, representa.

Vamos por partes:

Alguma vez, in illo tempore, o PS foi favorável a tal medida?

Parece que sim, que isso decorre de promessas eleitorais e (antes) de declarações contra o anterior Governo de Passos Coelho. Na altura, o PS não se coibia de fazer fogo com tudo o que lhe vinha à mão. E durante todo o tempo passado após a sua miraculosa subida o Governo amparado pela mão ardilosamente generosa do PC, também não houve especial cuidado em definir com precisão e cuidado quais os limites à pretensão dos sindicatos de professores. Porém, a promessa de pagar 2 anos, nove meses e alguns dias já abria uma brecha nas famigeradas “boas contas” de Centeno. Pior: ninguém percebia como é que se chegara a este número e não a qualquer outro, igualmente aleatório.

Seria bom recordar que o PSD e o CDS nunca foram, durante anos, adeptos desta medida mesmo se não recaia sobre eles o alegado (e real) roubo de tempo de serviço. Ao aceitarem juntar os seus votos aos do PC e do BE demonstraram estar nisto com o mesmo espírito de chicana com que os restantes se governaram.

São as eleições vizinhas que impõem esta declaração de guerra ao PS? Sem dúvida. É o PS inocente e prudentes nesta questão? De modo algum: o PS sabia, sempre soube, desde o primeiro dia, que PC e BE lhe iriam passar esta factura. Esta e outras como, por exemplo, a irresponsável reversão do IVA sobre a restauração ou as 35 horas na função pública que introduziu, ou fortaleceu ainda mais, o caos nos hospitais.

Aliás, o PS, desprovido há muito de qualquer sistema ideológico coerente, andou nestes últimos tempos num desnorte absoluto. Veja-se, apenas, e como exemplo, o caso da nova lei de bases da saúde. Dando de barato que uma nova lei era necessária (e nada o prova) eis que a sua desastrada e desastrosa Ministra da Saúde entendeu comprometer-se com o BE com “propostas de trabalho” em que dava mis uma machadada nos tenebrosos privados. Claro que o BE não se coibiu de trazer à duvidosa luz do dia este compromisso que pôs uma forte maioria do PS aos uivos.

Vai daí, o PS retratou-se afirmando que aquilo (a sua triste proposta) era apenas um documento de trabalho (como se este género de documento não configurasse algo de fartamente real e mais que comprovado pela sanha da Ministra que, em vez de acudir ao urgente, se entretém a tentar rebaixar a Bastonária dos enfermeiros (que aliás se põe sem rebuço, nem prudência, nem bom senso,) a jeito atirando-lhe às canelas uma sindicância que faz lembrar os velhos tempos do Estado Novo.

(é verdade é que esta Ministra é imprestável, disfarçando com o seu ar azougado a impreparação para o cargo e a falta de visão para os formidáveis desafios que aí vem se é que ainda cá não estão. De todo o modo, esta senhora, inquestionável prova do imortal principio de Peter, está a prazo e aposta-se singelo contra dobrado que não fará parte do próximo elenco governativo caso o PS vença as eleições. E digo “caso” porque com estas sucessivas “argoladas” Costa esbanja alegremente os trunfos que ainda tem.)

Todavia, e a favor de Costa estão também os partidos da Oposição. O CDS ainda se percebe: nada tem a perder e a sr.ª Cristas acha que tudo lhe serve para minar o terreno do PPD. Porém, este também não faz a coisa por menos. Supondo que ganhasse as eleições como é que resolvia o imbroglio dos professores sobretudo se, na mesma trincheira, e à espreita, estão os militares, as polícias, a GNR, os guardas prisionais e tutti quanti que também sofreram cortes similares na carreira e nos ordenados?

Quanto aos aliados nesta vaga “frente popular” há que distinguir o PC (e o seu acólito verdinho) do BE. O primeiro tem uma estratégia definida desde há muito tempo e, por mais sobressaltos que o comunismo tenha sofrido, mantem-se fiel a um programa e aos seus apoiantes. Estes podem estar envelhecidos –e estão – mas votam sem a menor sombra de dúvida no que o Partido propuser. As notícias sobre revoltas dentro do “aparelho” e em certos núcleos de militantes são (como o PC afirma, aliás) mais atoardas do que ameaças sérias. Mesmo que existam aqui e ali alguns dissidentes, a verdade éque o “centralismo democrático” reduzirá a ferida a uma coisa pouca. À cautela, já se procedeu a um par de exclusões e ao afastamento de outros tantos elementos duvidosos.

E o BE? Aqui o problema é diferente. Primeiro, porque os bloquistas andaram todo este tempo a tentar tornar-se úteis senão imprescindíveis ao PS. Eles (e não é por acaso que naquele albergue espanhol se acolhem bastantes trotskistas) apostaram no “entrismo” mesmo se, de quando em quando, alguém mandatado para isso manifestasse oposição ao PS. Só que, sem a poderosa disciplina interna do PC, há, naquele bloco mal fissurado, algumas tribos mais puristas que se fartaram de ver a Direcção a assobiar para o lado. O PS, por seu lado, nunca teve grande confiança no BE tanto mais que este não representa uma força eleitoral significativa. Atrai os votos de massas urbanas educadas mas falha nas frentes sindical e autárquica. E está mais permeável a modas culturais e políticas que o conservadorismo inato do PS rejeita e desconfia. Mais, o PS atirou recentemente para a frente um par de “esquerdistas” que poderão atrair bloquistas mais interessados na governação e na influência que um lugar nos gabinetes oferece.

O BE está pois dividido entre duas alternativas: ou manter-se como grupo reivindicativo e anti-sistema, agregador de minorias activas com alguma influencia nas classes urbanas jovens e educadas sempre prontas a abraçar a última novidade ou começar o seu caminho de Damasco de ingresso no PS e na área de poder. Pese as enormes diferenças há um exemplo esquecido, o MES que, nos anos oitenta depois de se ter auto-subvertido, viu boa parte da sua ala esquerda acorrer ao PS que, entretanto já tinha fagocitado o grupo dos ex-GIS, primeira grande dissensão (“à direita”) do mesmo partido.

(não que eu queira comparar os militantes da extinta Esquerda Socialista vindos quase todos das lutas académicas e políticas dos anos 60 e 70, da resistência católica ou do sindicalismo da mesma época com, por exemplo, os elementos mais em vista do BE, mormente as irmãs Mortágua, Catarina Martins, Marisa Matias ou Pedro Filipe Soares chegadas à política muito depois do 25 de Abril, do PREC e dos anos subsequentes. O facto de notoriamente serem da geração dos filhos dos primeiros não deve ser considerado uma capitis deminutio mas evidencia apenas experiências políticas (e assunção dos riscos inerentes) muito diferentes.)

Todavia, nada disto justifica o ardor com que alguns bloquistas parecem querer queimar os barcos em que chegaram e tornar impraticável qualquer exercício orçamental para os próximos anos. Isto se o seu objectivo for um país democrático e inserido na UE. Caso tenham como objectivo um paraíso à Kim Jong-Un (já que nunca conheceram a Albânia socialista) então estão no bom caminho. Resta saber se os portugueses estão de acordo.

publicado por d'oliveira às 17:51
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