“Ai Portugal se fosses só três sílabas...”
Imagino que muitos dos meus leitores (se porventura ainda os tenho) se zangarão comigo. De facto, não comungo da alegria a rodos que campeia por aí. Não que esteja triste, furioso ou que desejasse outro campeão para a Europa. Simplesmente, entendo que houve outras ocasiões em que o nosso futebol e os nosso talento mereceriam mais do que hoje o lugar de campeão.
Todavia, o futebol é assim mesmo: nau incerta em mar proceloso. Desta feita, coube a Fernando Santos e à sua equipa a sorte que outras vezes foi esquiva. A carreira neste campeonato não foi exactamente brilhante: 3º lugar na primeira parte, nenhum jogo ganho nos 90 minutos regulamentares, mais sorte nos penáltis, adversários pouco perigosos, pese embora a surpresa islandesa.
De todo o modo, ganharam. E ganharam porque Santos foi corajoso, porque a equipa soube ser humilde, porque a defesa foi mais italiana do que os italianos. E porque houve uma mobilização extraordinária da emigração em França que deu uma lição de civismo (veja-se o caso do menino Matisse –belo e luminoso nome!- a consolar o choroso adepto francês e adulto –que soube corresponder com emoção e dignidade à palavra de uma criança de dez anos-), de amor ao país padrasto e longínquo e às terras pequenas e dispersas de onde os emigrantes ou os seus pais vieram fugidos da miséria e da falta de trabalho.
O resto, o Senhor Presidente, o Senhor 1º Ministro e os outros figurões, foi só folclore e populismo. O resto, televisões, rádio e jornais, foi lastimavelmente frouxo, reles, palavroso e patrioteiro. Como de costume.
Se os leitores, que até aqui chegaram, me permitem, direi que me entusiasmaram Rui Patrício, Pepe, Nani, Quaresma ou até Éder que resolveu tudo com um golaço que merecia mais repetições de visão televisiva. Sei que estou a ser injusto, que devia falar de outros, Renato Sanches ou os luso franceses que optaram por este pequeno país quando, provavelmente teriam lugar na selecção francesa que, de facto, teve pouca sorte. Mas o futebol, mesmo o feio, é isto: quantas vezes me irritaram os italianos e o catenaccio!
Entretanto, tudo isto está passado e a realidade, a desagradável realidade já volta a bater-nos à porta.
Só mais um ponto: nada tenho contra as medalhas mesmo se são atribuídas por quem ainda ontem afirmava que isto era um país demasiado medalhado. Mas o Senhor Presidente é o que é e não há uma eventual momento de populismo que não aproveite mesmo quando parece mais justificado o comendador jogador de futebol do que qualquer ex-primeiro ministro sem qualidades.
Por tudo o que vem de ser dito, atrevo-me a afirmar que o título do “Público” (“hoje temos mais razões para acreditar em Portugal”) é uma tolice, uma bazófia e um erro crasso. Não temos mais nem menos razões: o futebol é apenas ligeiramente menos seguro do que a roleta.
E passemos ao segundo acto deste comédia: o senhor Durão Barroso. Confesso que a criatura sempre me foi antipática desde os seus prodigiosos momentos MRPP, onde assumiu o papel de trauliteiro até à sua súbita conversão às virtudes do parlamentarismo, via PPD sob a intermediação de Santana Lopes. Barroso vestiu então a opa de sacristão mor que exercia de Ministro dos Negócios Estrangeiros e de proto-candidato à gloria primo-ministerial.
Quando o cavalheiro chegou a S. Bento, alguém o avisou sibilinamente, recitando “sigamos o cherne”. Poucos entenderam, porque poucos sabiam como o poema acabava:
Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa…
Barroso não era um cherne mas tão só a imagem dele, já morto. O acaso (se a tonta decisão de demissão de Guterres não foi mais do que isso) que o levou ao poder onde só produziu uma declaração útil mas não escutada (“o país está de tanga”) e a sua subsequente ida para a Comissão Europeia (onde só chegou porquanto os “grandes” o achavam incolor, insípido e inodoro como a água destilada) foram passos de uma biografia perdida há muito.
Que agora, a exemplo de tantos outros, nacionais e estrangeiros, vá para um cadeirão onde pouco ou nada fará, já não acrescenta seja o que for ao que ele pensa que foi. Barroso, pese a sua publicitada inteligência e cultura, é apenas mais um portuguesinho espertalhaço, uma sardinha que se toma por um tubarão, um ambicioso que, como no poema, um dia destes dará à costa, picado pelas gaivotas e mais morto do que a sua reputação.
O terceiro passo está todo na notícia da restituição dos filhos a Liliana Melo, a senhora negra, emigrante e cabo-verdiana que, há quatro anos ,viu um imenso aparato policial levar-lhe de casa as crianças. A Segurança Social e o Tribunal saem muito mal na fotografia, felizmente corrigida ao fim de quase 1500 dias por um acórdão do STJ. Relembre-se, sempre segundo o jornal, que boa parte das acusações contra Liliana não tinham fundamento (falta de emprego, higiene das crianças ou padeciam de insanável infâmia como era o caso de (à velha moda higienista e fascista) lhe exigirem a laqueação das trompas!
Isto sim, esta tardia sentença do tribunal superior é que é uma razão ponderosa para se acreditar mais em Portugal. Pena é que demorasse tanto tempo. E, já agora, mbravo e muito obrigado às advogadas que ao longo de todo este tempo, representaram “pro bono” uma mulher só, infamada, negra e humilde. Às vezes sabe bem ter concidadãos e concidadãs como estas Senhoras mesmo que ninguém as torne comendadoras ou sequer saiba da existência delas.
* O título e a citação pertencem a um grande, enorme, poeta português: Alexandre O’Neil
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