Kundera, um europeu, um grande escritor e um homem de coragem
mcr, 13-7-23
A morte de milan Kundera não apanha ninguém desprevenido. A idade (94 anos) era muita e se alguma coisa nos surpreende é a sua longevidade.
De todo o modo deixa uma obra notabilíssima e pode ser apontado como um dos grandes romancistas do século passado.
Teve, para além das vicissitudes da escrita que é sempre uma companheira difícil, uma vida de cidadão que, no mínimo, se pode caracterizar de complicada.
Nascido no Leste europeu, mais precisamente na Checoslováquia, viu o seu país ser implacavelmente agredido por Hitl e por duas vezes. Na primeira (e com a cumplicidade da maioria da população de origem alemã estabelecida nos Sudetas e depois com a pura e simples invasão e semi-anexação do resto do país.
A”libertação” operada pelo Exército Vermelho no seu impetuoso avanço contra Berlin foi sol de pouca dura. Ficou como um clássico da conquista do poder por dentro a teoria dita do “golpe de Praga”.
Convirá lembrar que boa parte dos intelectuais checos apoiaram ou, pelo menos, não se opuseram ao golpe comunista contra um Governo livremente eleito e de características demo-liberais. As razões são várias mas a principal foi a miserável anuência da Inglaterra e da França (e o silêncio cúmplice de quase todos os outros europeus) às exigências de Hitler. Não admira que a URSS entre 45 e 48 se tivesse tornado aos olhos de muitos o garante de uma liberdade que cedo se mostrou implacável.
Se Kundera aceitou ou até defendeu essa reviravolta, não faço a mínima ideia se bem que tudo indique que enquanto militante comunista a defendeu. Todavia, poucos anos depois foi pela primeira vez expulso do PC checo. Readmitido alguns anos depois, de pouco durou essa renovada crença nos benefícios do poder dito socialista.
E é de um dos seus primeiros romances que vale a pena falar pois a critica ao regime e aos constrangimentos que impunha for irónica mas expressivamente revelada em “A brincadeira”, livro que descobri pouco antes da “Primavera de Praga”, já Kundera voltara a ser expulso do partido. Não admira que durante esses exaltantes meses de 68 ele se tenha distinguido como um dos principais apoiante da tímida tentativa de Dubcek e que depois, com o regresso da “ditadura do proletariado” à moda soviética, a vida se lhe tenha tornado impossível no país Natal.
Kundera exila-se, vai para França e é daí que a sua obra vai ganhando espessura e a sua famas e consolida. O Nobel , como sucede a tantos, não o distinguirá e não deixa de ser curioso que quando se lembraram da literatura checa preferiram premiar Jaroslav Seifert (poeta de resto excelente mas quase desconhecido fora do seu país) esquecendo os grandes romancistas de que apenas cito Hrabal outro opositor ao governo checo.
A propósito Borges, que à época teria 85 anos, terá afirmado que “felizmente a academia sueca tinha premiado um jovem (de 84 anos).
É conhecida a simpatia de Kundera por alguns autores que fazem muito parte cá de casa, Rabelais ou Hasek o imortal pai de Schveik esse absurdo anti-heroi que mereceu mesmo uma espécie de continuação servida por Brecht.
Desconheço se a última edição portuguesa do “Bom Soldado...” já está conforme com o original. De facto, este livro memorável, foi publicado em Portugal (Portugália, 1961) numa edição provavelmente baseada na francesa e consideravelmente reduzida. Mais tarde, depois de comprar vários acrescentos em várias línguas cheguei finalmente a uma edição espanhola da “galáxia gutemberg” com 765 páginas que está completa pois compreende os últimos textos do “soldado” (fins de 1922. Hasek morreu a 3 de Janeiro do ano seguinte ).
Tudo isto para lembrar que à semelhança de Hasek, Kundera foi alvo de traduções um pouco “olé, olé” que o obrigaram mais tarde a ser ele próprio o seu tradutor para francês.
Do mesmo mal padeceu Rabelais que foi traduzido do seu gostoso mas difícil francês do sec.XVI para o francês moderno sofrendo também de consideráveis dentadas. Esperemos que a tradução que agora se anuncia para português. seja realmente integral.
(e confesso que provavelmente não resistirei a mais esta edição mesmo tendo uma boa meia dúzia delas todas em francês original ou moderno )
Quem me lê habitualmente sabe que aqui apenas se referem livros e autores lidos mas sem qualquer aparato crítico. Deixei-me disso há muitos, muitos, anos e basta-me chamar a atenção para os livros sem pôr já óculos escuros ou claros aos leitores que não precisam de críticas para ler os livros.
Isto é só um folhetim, um escrito efémero nada mais.
Kundera, um europeu, um grande escritor e um homem de coragem
mcr, 13-7-23
A morte de milan Kundera não apanha ninguém desprevenido. A idade (94 anos) era muita e se alguma coisa nos surpreende é a sua longevidade.
De todo o modo deixa uma obra notabilíssima e pode ser apontado como um dos grandes romancistas do século passado.
Teve, para além das vicissitudes da escrita que é sempre uma companheira difícil, uma vida de cidadão que, no mínimo, se pode caracterizar de complicada.
Nascido no Leste europeu, mais precisamente na Checoslováquia, viu o seu país ser implacavelmente agredido por Hitl e por duas vezes. Na primeira (e com a cumplicidade da maioria da população de origem alemã estabelecida nos Sudetas e depois com a pura e simples invasão e semi-anexação do resto do país.
A”libertação” operada pelo Exército Vermelho no seu impetuoso avanço contra Berlin foi sol de pouca dura. Ficou como um clássico da conquista do poder por dentro a teoria dita do “golpe de Praga”.
Convirá lembrar que boa parte dos intelectuais checos apoiaram ou, pelo menos, não se opuseram ao golpe comunista contra um Governo livremente eleito e de características demo-liberais. As razões são várias mas a principal foi a miserável anuência da Inglaterra e da França (e o silêncio cúmplice de quase todos os outros europeus) às exigências de Hitler. Não admira que a URSS entre 45 e 48 se tivesse tornado aos olhos de muitos o garante de uma liberdade que cedo se mostrou implacável.
Se Kundera aceitou ou até defendeu essa reviravolta, não faço a mínima ideia se bem que tudo indique que enquanto militante comunista a defendeu. Todavia, poucos anos depois foi pela primeira vez expulso do PC checo. Readmitido alguns anos depois, de pouco durou essa renovada crença nos benefícios do poder dito socialista.
E é de um dos seus primeiros romances que vale a pena falar pois a critica ao regime e aos constrangimentos que impunha for irónica mas expressivamente revelada em “A brincadeira”, livro que descobri pouco antes da “Primavera de Praga”, já Kundera voltara a ser expulso do partido. Não admira que durante esses exaltantes meses de 68 ele se tenha distinguido como um dos principais apoiante da tímida tentativa de Dubcek e que depois, com o regresso da “ditadura do proletariado” à moda soviética, a vida se lhe tenha tornado impossível no país Natal.
Kundera exila-se, vai para França e é daí que a sua obra vai ganhando espessura e a sua famas e consolida. O Nobel , como sucede a tantos, não o distinguirá e não deixa de ser curioso que quando se lembraram da literatura checa preferiram premiar Jaroslav Seifert (poeta de resto excelente mas quase desconhecido fora do seu país) esquecendo os grandes romancistas de que apenas cito Hrabal outro opositor ao governo checo.
A propósito Borges, que à época teria 85 anos, terá afirmado que “felizmente a academia sueca tinha premiado um jovem (de 84 anos).
É conhecida a simpatia de Kundera por alguns autores que fazem muito parte cá de casa, Rabelais ou Hasek o imortal pai de Schveik esse absurdo anti-heroi que mereceu mesmo uma espécie de continuação servida por Brecht.
Desconheço se a última edição portuguesa do “Bom Soldado...” já está conforme com o original. De facto, este livro memorável, foi publicado em Portugal (Portugália, 1961) numa edição provavelmente baseada na francesa e consideravelmente reduzida. Mais tarde, depois de comprar vários acrescentos em várias línguas cheguei finalmente a uma edição espanhola da “galáxia gutemberg” com 765 páginas que está completa pois compreende os últimos textos do “soldado” (fins de 1922. Hasek morreu a 3 de Janeiro do ano seguinte ).
Tudo isto para lembrar que à semelhança de Hasek, Kundera foi alvo de traduções um pouco “olé, olé” que o obrigaram mais tarde a ser ele próprio o seu tradutor para francês.
Do mesmo mal padeceu Rabelais que foi traduzido do seu gostoso mas difícil francês do sec.XVI para o francês moderno sofrendo também de consideráveis dentadas. Esperemos que a tradução que agora se anuncia para português. seja realmente integral.
(e confesso que provavelmente não resistirei a mais esta edição mesmo tendo uma boa meia dúzia delas todas em francês original ou moderno )
Quem me lê habitualmente sabe que aqui apenas se referem livros e autores lidos mas sem qualquer aparato crítico. Deixei-me disso há muitos, muitos, anos e basta-me chamar a atenção para os livros sem pôr já óculos escuros ou claros aos leitores que não precisam de críticas para ler os livros.
Isto é só um folhetim, um escrito efémero nada mais.
Aventuras e desventuras do “racismo”
mcr, 18-6-23
No passado dia 10, o dr. António Costa, primeiro ministro, todo poderoso dirigente do PS, foi apupado por uma ou duas dúzias de manifestantes alguns dos quais empunhavam uns cartazes em que o visado aparecia com um nariz de porco, lábios engrossados enfim algo que, para além da exígua imaginação era mal feito e fraquinho como caricatura.
N\ao vou sequer dar-me ao trabalho, aliás penoso, de tentar perceber se aquilo era ou não racista. Pata efeitos do que a seguir quero dizer vamos aceitar que aquele medíocre (e estou a ser generoso!...) cartaz era racista.
Comecemos, então, pelo princípio como declarava um professor da gloriosa universidade que me coube frequentar:
É Portugal um país racista?
A resposta depende de que percentagem de habitantes levamos em linha de conta. Se bastam 10 ou20%, não tenho quaisquer dúvidas: o país é, como todos os restantes do mundo (seja a Suécia, a Mongólia ou o Uruguai), racista.
Não conheço nenhum país que não tenha uma boa s dose da sua população eivada de preconceitos racistas, xenófobos, religiosos e morais. Ponto final, parágrafo.
Isto dito, convém perguntar se devemos pactuar com esse estado de coisas com essa mentalidade.
A resposta também é fácil: Não!. Não, nunca, jamais, em tempo algum!
Como , de resto (e não se diga que junto dois exemplos díspares –em importância e significado- porque foram tão só os primeiros a acudir-me ao pensamento), se não deve pactuar com centenas de outras práticas seja a excisão do clítoris (tão comum em África, em toda a África...) ou o hábito de cuspir para o chão. Ou centenas de outros hábitos, modos de ver e de pensar. O “homem” é um ser que com dificuldade e lentidão lá vai tentando, quantas vezes às cegas, sair da sua pré-história.
Amigos meus, negros e exilados, em países socialistas onde tinham bolsas de estudo, contaram-me do acismo quotidiano de que eram alvo na sociedade russa e soviética. Amigos brancos que lutaram pela independência das ex-colónias contaram-me, tristes mas teimosos, das dificuldades do dia a dia em Luanda pi Maputo, onde continuaram a viver. Um colega natural do sul da Índia mas goês, pelo nascimento recriminava gente de Deli pelo desprezo que votavam aos seus compatriotas mais escuros, muito mais escuros. E por aí fora, nos EUA ou no Brasil, em Cuba ou no Japão.
Em todos estes casos, era a cor da pele o principal identificador doa desconfiança, do menosprezo, do receio com qie açguém era encarado.
Portanto, e para abreviar: Portugal não escapa à regra geral. Há e continuará a haver uma percentagem de cidadãos racistas, por toda uma série de razões, desde o medo até às mais absurdas teorias raiais.
Acresce que, durante século e meio, (1850-1975), Portugal manteve guerras abertas ou camufladas em todos os seus territórios coloniais desde a Guiné até Timor. Ao contrário do que por aí corre, a vida nas colónias nunca foi pacífica como aliás o demonstram as “campanhas de pacificação” que terminaram vagamente nos anos 30 d0 século passado para trinta anos depois a guerra de libertação se reacender em três frentes já a Índia tinha desaparecido.
Essas guerras de África mobilizaram entre 1960 e 1974, um bom milhão de jovens portugueses que tinham pais, mães, irmãos, noivas, primos e amigos o que dará uns largos milhões de afectados directa ou indirectamente.
É verdade que as baixas de portugueses nascidos em Portugal foram relativamente exíguas, quanto mais não seja porque cedo a guerra se “africanizou”.
Todavia, o capital de medo, de angústia, de cuidados, de boatos e de “fake news”, de lutos, de regressos de soldados com sequelas de todo o tipo, marcou e marca ainda duradouramente a sociedade portuguesa e o país.
Não que se chore demasiadamente o fim do império mesmo se haja eventualmente quase um milhão de “retornados. Que não se refugiaram em Portugal sem azedume, queixas várias, algumas legítimas sobretudo as que foram feitas contra tropa portuguesa que, repentinamente deixou de os proteger ao mesmo tempo que certos poderes transitórios portugueses permitiam que populações africanas se armassem (mutas vezes com armas portuguesas...) e levassem a cabo expedições punitivas contra os colonos recentes ou antigos. Houve fugitivos angolanos brancos, mulatos e negros que deveram a sua salvação a dissidentes armados do MPLA (caso de Daniel Chipenda) ou, raramente de outro movimentos independentistas.
É verdade que, ao contrário dos pied noir frnceses, os retornados foram absorvidos com relativa facilidade e inusitada rapidez pelo país profundo. Porém o impacto da vinda, em estado de miséria, desta forte percentagem da população não deixou de marcar com fundas cicatrizes, o pensamento colectivo.
Só isso bastaria para manter viva a fogueira racista.
Depois, sobretudo na região de Lisboa, concentraram-se algumas dezenas (no mínimo!) de milhares de imigrantes africanos vindos das ex-colónias e de outras zonas de África. Como a imensa maioria desses novos habitantes tinha escassa escolaridade e nenhuma preparação profissional destinaram-se-lhe os piores e mais mal pagos empregos. Isso amontoou-os em ghettos insalubres, nas periferias mais pobres e mais longe dos escassos benefícios da vida citadina. Digamos que, em muitos casos, perpetuou a pobreza, a ignorância, inclusive um fraco conhecimento da língua. Também não é de estranhar que daí saiam, ou possam sair, focos de pequena criminalidade mesmo se, neste domínio, pareça estar minimamente controlada.
Com a nova imigração proveniente da Ásia (Índia, Nepal, Paquistão – e já se contam por milhares os recém chehados) o panorama não melhorou, bm pelo contrário, tanto mais que esses novos residentes não sabem uma palavra de português, são presa fácil de traficantes, de empregadores sem escrúpulos para já não falar da estranheza que despertam na população residente que, inclusive, os acusa de roubar empregos, de fomentar o aumento do preço da habitação e de tornar inseguras as ruas.
Ser anti-racista deveria obrigar todos os que assim se declaram a perceber onde, como e porquê, se declaram os abcessos infames e perigosos da descriminação racial.
É fácil andar por í a berrar o quão racista o país é sem por outro lado cuidar de perceber como é que isso é possível.
Conviria lembrar que, neste país racista há um primeiro ministro “monhé”, indiano, “preto” eleito com uma tremenda maioria absoluta que já teve no seu governo uma ministra negra retinta, inda por cima proveniente de uma das mais famosas famílias independentistas de Angola. Poderia juntar-lhes algumas personalidades, desde deputados até membros da Academia e profissionais de grande qualidade e prestígio vindos todos das minorais raciais, mormente da adro-descendente.
Não meto no pacote, artistas e desportistas não porque os desconsidere mas apenas porque desde sempre cá estiveram e em muitos casos foram respeitados. Não é necessário invocar o extraordinário Eusébio cuja ida para o Panteão não sofreu qualquer beliscadura.
Numa sociedade predominantemente branca, ser negro dá nas vistas. Numa sociedade predominantemente católica, se muçulmano ou hindu, chama a atenção como, em tempos, ocorreu com protestantes ou evangélicos.
Não sei (e também não me preocupa demasiadamente) se consegui com este texto tentar não um branqueamento mas um princípio de explicação para uma realidade que, repito, é absolutamente detestável mas que irá exigir um longo, duro, difícil caminho de erradicação.
A começar por limitar exageros condenatórios que de tão evidentes desmobilizam muita gente.
Portugal é um pais razoavelmente normal, razoavelmente seguro, razoavelmente decente e bem menos xenófobo de que muitos, muitíssimos, outros. Lembraria certos casos de países centro e sul americanos onde jamais se vê um negro, sequer um mulato, com funções dirigentes mesmo se tais países tenham minorias raciais gigantescas. Melhor dizendo, mesmo se nesses países os brancos sejam minoritários face a descendentes de africanos e de povos indígenas... (será preciso mencionar Cuba ou a Venezuela, ou mesmo o México?)
E nem sequer vou levantar a questão de certas perseguições de minorias africanas em África. Basta lembrar o estatuto (não oficial) dos negros albinos que um preconceito horrendo marca para perseguir ou até matar ou as guerras intestinas que desde há muito dilaceram países que, dentro de fronteiras saídas de Berlin, enfrentam povos e etnias quase ao ponto de criar condições muito próximas de genocídio.
Isto, esta peçonha racial mascarada muitas vezes com rivalidades étnicas, linguísticas ou religiosas, está vivo e recomenda-se numa África que cinquenta anos depois das independências assiste a dramas inomináveis.
Não basta pois denunciar, de dedinho espetado, algum racismo avulso mesmo se evidente. Uma epidemia vence-se encontrando os medicamentos, as vacinas necessários para sufocar de vez o mal. E isso vai demorar mais umas largas dezenas (sou um optimista) de anos.
Ano que vai, ano que vem…
mcr, 31-12-21
estas datas são sempre férteis em ilusão e e esperança desvairadas. Isto, sabe-se, desde que o mundo é mundo e os votos e promessas de novo ano, vida nova se inventaram.
Porém, todos prosseguimos teimosamente nesse caminho e, de certo modo, ainda bem. Ao menos que uma vez por ano se queira que as coisas melhorem ...
Daí que o escriba também se junte à multidão (de que , aliás, faz parte) e estabeleça três metas para 2022:
que o ano seja pródigo em algo tão simples quanto o bom senso;
que o politicamente correcto vá, mesmo que paulatinamente, mirrando;
que a miséria em Portugal vá desaparecendo (digo miséria pois não me atrevo a pensar para já no fim da pobreza. Bastar-me-ia saber que a miséria foi ou começou a ser seriamente erradicada. É um objectivo difícil mas para tudo há um começo. Saber que umas dezenas (ou centenas, que sei eu?) de milhares de pessoas saíram desse patamar seri a, desde logo, algo de espantosamente formidável.
No que toca ao politicamente correcto, basta pensar que essa moda importada por medíocres, usada por incompetentes é também ela uma das armas mais perigosas da estupidez e da maldade. No domínio do cultural, campeia alegremente e até já tem honras de páginas de jornal, até dos mais decentes ...
O bom senso vale por si mas recomenda-se especialmente aos decisores políticos, económicos e financeiros, governamentais ou particulares. Também aqui se daria um passo de gigante em prol de uma sociedade portuguesa mais livre, mais consciente, mais culta e, porque não?, mais ambiciosa.
O ano que hoje acaba não foi bom, mesmo que pudesse ter sido ainda pior. Esperamos que o próximo não repita os maus passos deste e nos evite outros que, a natureza humana é fraca estão seguramente à espreita.
Bom ano para todos, leitores e companheiros de blogues.
Até Janeiro, mês de gatos, de luares magníficos e frio. Um mundo novo pode começar a despontar.
(e paz na terra aos homens de boa vontade)
*encontrei esta imagem de luar e agradeço a que a assoviou
Enquanto é possível
mcr, 3 -12-21
eu não percebo nada, rigorosamente nada, de saúde, muito menos dessa bicheza horrenda que no anda a desassossegar. Todavia, a idade, alguma experiência e outro tanto de desconfiança nos poderes públicos, fazem-me antecipar a visita natalícia à Mãe centenária mas arguta.
Pelo sim pelo não é já este fim de semana que avanço até às paragens eventualmente mais clementes (meteorologicamente falando) de Oeiras.
Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém e eu bem me lembro do natal passado e não estou para arriscar.
De longada até Lisboa, visita breve à feira dos alfarrabistas, beijinhos e abraços à família e até Janeiro, esperando que tudo corra pelo melhor até lá.
O leitor JMM com quem havia uma vaga combinação de encontro, vai estar atento ao correio da próxima semana porquanto o livrinho que eu lhe levaria em mão seguirá aos inseguros cuidados dos CTT.
Eu nessa gente não me fio. Perdeu-se uma encomenda vinda de França (livros, claro...) e apesar das minhas reclamações, nada. Inventaram primeiro uma entrega a uma “elisabete” (sic) depois a outra com menos letras e com a pandemia a coisa desapareceu do radar. Portanto, o livro com todas as estampas da Enciclopédia ira registado. À cautela, e à boleia do blog, recomendo que me envie de novo a direcção pois comigo nunca é garantido que eu tenha a direcção à mão. Costumo guardar tão bem as coisas que depois só por abençoado acaso as encontro!
E já que abusei da paciência dos leitores ao enviar correspondência privada por este meio, aproveito a deixa para tentar saber se um segundo leitor, interessado em bibliografia de temática moçambicana ronda por aí. É que tenho um forte lote de boletins da Sociedade de Estudos de Moçambique para lhe dar em troca de um mirífico 1º volume da História dos Caminhos de Ferro de Moçambique (para o que me havia de dar!...) . Também, neste caso, terei perdido o mail desse leitor
Na gigantesca e quase impossível tarefa de reorganizar a minha biblioteca, dar destino a livros repetidos, arranjar espaço para outros recentes u agora mais interessantes, tenho descoberto títulos de que, de todo, não me lembrava ou que considerava desaparecidos. Neste último caso, suspeito que alguma empregada no afã descabido de arrumar, limpar ou tornar mais agradável a vista das estantes,os terá colocado noutro sítio. Numa biblioteca organizada por tipo de literatura, ou autor e ordem alfabética basta mudar um livro de sítio para se passarem anos sem o encontrar. De outros igualmente desaparecidos sem dar cavaco nem vale a pena falar: empréstimos a criaturas distraídas ou, pior, amigas do alheio, e eis que uma obra deixa de estar presente.
Também é verdade, neste ultimo caso que, um grande e desaparecido amigo tinha por hábito levar ( e restituir) montes de livros. Era, porém, alguém de seu natural desarrumado e a mulher ou a empregada passavam a vida a arrumar-lhe os pertences espalhados ao Deus dará. Alguns dos meus livrinhos andaram assim clandestinos nas estantes desse querido companheiro de bridge desde Coimbra. Depois de morto, e durante alguns anos, a viúva aparecia com ar contristado com mais um livro encontrado. Ao todo ter-me-á entregue dez ou onze. Era o regresso do filho pródigo e permitia-nos a mim e à viúva conversar largas horas, chorar um pouco aquele alucinado leitor morto num ano (o pior de que me lembro)em que perdi mais dois outros íntimos amigos.
À medida em que se envelhece tornam-se naturais estes desaparecimentos. Às tantas, olhando-nos ao espelho apercebemo-nos que somos meros sobreviventes, passeantes solitários num mundo que começa a tornar-se estranho e menos amável.
E a verificar a terrível verdade dos enterros: “agora só nos encontramos nestas ocasiões”,
costuma-se dizer. E, raios me partam, é verdade.
Entretanto, amigos a quem prometi entregar livros, estejam descansados que estes a que me referi tenho a firme intenção de cumprir a minha promessa...
*a vinheta: imagem mandada pela Maria A, amiga de quem sou eternamente devedor
Para acontecimento, é um dos grandes.
Enorme!
mcr, 21-11-21
20.000 páginas! 1.700.000 palavras. 700.000 ocorrências!
Estes três números dizem muito, mesmo muito, da obra que pelos vistos aparece agora em e-book
São os diários de Salazar, 35 anos, dia pós dia. Nove anos de trabalho de uma abençoada arquivista, uma senhora arquivista, de seu nome Madalena Garcia.
Mesmo que em livro o número de páginas desça para metade, vá lá um terço, quiçá um quarto, teríamos no mínimo, 5000 páginas, isto também é tudo em função do tamanho da letra, claro.
É evidente que, para nós, leitores vulgares e mais interessados na “carne da perna” talvez três mil páginas chegassem.
Todavia que está aí um trabalho colossal , está, E de que maneira, tanto mais que a letra do eremita de Santa Comba Dão não parece ser “pera doce”.
Eu, que vivi 33 anos (quase tantos quantos os cobertos pelo diário...) sob a férula da criatura, tenho uma enorme curiosidade por saber deste dia-a–dia minucioso e íntimo, sem filtros nem considerações de posteridade.
É que são raras as obras históricas que abordem o homem e o político desapaixonadamente, factualmente sem o peso da admiração babada ou da inimizade ideológico.
Eu sei que o que peço é difícil, provavelmente quase impossível mesmo quase sessenta anos depois da morte do ditador. Uma das raras aproximações a um narrativa menos agressiva ou hagiológica é devida a Ribeiro de Meneses, um historiador radicado (suponho) no Reino Unido. Depois, há estudos esparsos, aqui e ali, que trazem aboradagens cautelosas a diferentes aspectos da sua política. E a documentação em bruto, sobretudo as “Cartas”, menos os “Discursos” que eram longamente meditados para o presente e para ..o futuro.
Dir-se-á que o mesmo ocorre com outros líderes mundiais ou portugueses (e destes poucos há como de costume)
Oitenta por cento da 1ª República está por esclarecer e estudar, pior só mesmo com a defunta fase final da Monarquia. Do Estado Novo, dos seus próceres também não aparecem estudos em quantidade e, sobretudo, em qualidade. Ou então, mesmo se escassas, há um par de hagiologias sobre alguns políticos que prepararam ou fizeram o 25 A e os primeiros anos do novo regime. Pelos vistos ainda é cedo!
Por isso este gigantesco esforço da dr.ª Madalena Garcia merece aplauso e gratidão.
Até eu, um info-excluído vicioso, terei de fazer o esforço de tentar desbravar o tal e-book esperando que ele apareça. Não faço sequer ifeia de deverei comprar um maquinismo que permita ler com comodidade e letra bem grande a coisa. Ou, pior, se me atreverei. Por mim, um resumo das partes mais interessantes já bastava desde que o/a autor/a fosse de confiança. De todo o modo, aí está u instrumento fundamental para ajudar a fazer a história de um período da vida nacional e também de da vida de uns dois/três milhões de portugueses, os que ainda sobrevivem dessa época sombria que, de certo modo, ainda “assombra” a nossa história actual.
(um leitor "desconhecido" fez-me uma pergunta. Respondi longamente e perdi (!!!) a resposta ! Vou tentar reescrever o que então dizia e publicarei esse texto logo que possível. Ainda tenho a vaga espeança de o encontrar. Alguém me dá uma dica?)
Andam a brincar aos orçamentos?
mcr 3.5.19
Uma extraordinária coligação (PC, BE, PSD e CDS-PP) votou ontem algo também extraordinário: a devolução do tempo total de serviço aos professores.
Resulta deste voto (e já iremos ver o resto) que o PS sofreu uma pesada e humilhante derrota.
Aliás, a vaga e infantil ameaça do sr. Carlos César (uma mediocridade importada dos Açores...) de demissão do Governo traz a esta aliança contra-natura um pouco de pilhéria que, infelizmente, só provoca sorrisos forçados e aumenta o descrédito na personagem e no partido que ela, pelos vistos, representa.
Vamos por partes:
Alguma vez, in illo tempore, o PS foi favorável a tal medida?
Parece que sim, que isso decorre de promessas eleitorais e (antes) de declarações contra o anterior Governo de Passos Coelho. Na altura, o PS não se coibia de fazer fogo com tudo o que lhe vinha à mão. E durante todo o tempo passado após a sua miraculosa subida o Governo amparado pela mão ardilosamente generosa do PC, também não houve especial cuidado em definir com precisão e cuidado quais os limites à pretensão dos sindicatos de professores. Porém, a promessa de pagar 2 anos, nove meses e alguns dias já abria uma brecha nas famigeradas “boas contas” de Centeno. Pior: ninguém percebia como é que se chegara a este número e não a qualquer outro, igualmente aleatório.
Seria bom recordar que o PSD e o CDS nunca foram, durante anos, adeptos desta medida mesmo se não recaia sobre eles o alegado (e real) roubo de tempo de serviço. Ao aceitarem juntar os seus votos aos do PC e do BE demonstraram estar nisto com o mesmo espírito de chicana com que os restantes se governaram.
São as eleições vizinhas que impõem esta declaração de guerra ao PS? Sem dúvida. É o PS inocente e prudentes nesta questão? De modo algum: o PS sabia, sempre soube, desde o primeiro dia, que PC e BE lhe iriam passar esta factura. Esta e outras como, por exemplo, a irresponsável reversão do IVA sobre a restauração ou as 35 horas na função pública que introduziu, ou fortaleceu ainda mais, o caos nos hospitais.
Aliás, o PS, desprovido há muito de qualquer sistema ideológico coerente, andou nestes últimos tempos num desnorte absoluto. Veja-se, apenas, e como exemplo, o caso da nova lei de bases da saúde. Dando de barato que uma nova lei era necessária (e nada o prova) eis que a sua desastrada e desastrosa Ministra da Saúde entendeu comprometer-se com o BE com “propostas de trabalho” em que dava mis uma machadada nos tenebrosos privados. Claro que o BE não se coibiu de trazer à duvidosa luz do dia este compromisso que pôs uma forte maioria do PS aos uivos.
Vai daí, o PS retratou-se afirmando que aquilo (a sua triste proposta) era apenas um documento de trabalho (como se este género de documento não configurasse algo de fartamente real e mais que comprovado pela sanha da Ministra que, em vez de acudir ao urgente, se entretém a tentar rebaixar a Bastonária dos enfermeiros (que aliás se põe sem rebuço, nem prudência, nem bom senso,) a jeito atirando-lhe às canelas uma sindicância que faz lembrar os velhos tempos do Estado Novo.
(é verdade é que esta Ministra é imprestável, disfarçando com o seu ar azougado a impreparação para o cargo e a falta de visão para os formidáveis desafios que aí vem se é que ainda cá não estão. De todo o modo, esta senhora, inquestionável prova do imortal principio de Peter, está a prazo e aposta-se singelo contra dobrado que não fará parte do próximo elenco governativo caso o PS vença as eleições. E digo “caso” porque com estas sucessivas “argoladas” Costa esbanja alegremente os trunfos que ainda tem.)
Todavia, e a favor de Costa estão também os partidos da Oposição. O CDS ainda se percebe: nada tem a perder e a sr.ª Cristas acha que tudo lhe serve para minar o terreno do PPD. Porém, este também não faz a coisa por menos. Supondo que ganhasse as eleições como é que resolvia o imbroglio dos professores sobretudo se, na mesma trincheira, e à espreita, estão os militares, as polícias, a GNR, os guardas prisionais e tutti quanti que também sofreram cortes similares na carreira e nos ordenados?
Quanto aos aliados nesta vaga “frente popular” há que distinguir o PC (e o seu acólito verdinho) do BE. O primeiro tem uma estratégia definida desde há muito tempo e, por mais sobressaltos que o comunismo tenha sofrido, mantem-se fiel a um programa e aos seus apoiantes. Estes podem estar envelhecidos –e estão – mas votam sem a menor sombra de dúvida no que o Partido propuser. As notícias sobre revoltas dentro do “aparelho” e em certos núcleos de militantes são (como o PC afirma, aliás) mais atoardas do que ameaças sérias. Mesmo que existam aqui e ali alguns dissidentes, a verdade éque o “centralismo democrático” reduzirá a ferida a uma coisa pouca. À cautela, já se procedeu a um par de exclusões e ao afastamento de outros tantos elementos duvidosos.
E o BE? Aqui o problema é diferente. Primeiro, porque os bloquistas andaram todo este tempo a tentar tornar-se úteis senão imprescindíveis ao PS. Eles (e não é por acaso que naquele albergue espanhol se acolhem bastantes trotskistas) apostaram no “entrismo” mesmo se, de quando em quando, alguém mandatado para isso manifestasse oposição ao PS. Só que, sem a poderosa disciplina interna do PC, há, naquele bloco mal fissurado, algumas tribos mais puristas que se fartaram de ver a Direcção a assobiar para o lado. O PS, por seu lado, nunca teve grande confiança no BE tanto mais que este não representa uma força eleitoral significativa. Atrai os votos de massas urbanas educadas mas falha nas frentes sindical e autárquica. E está mais permeável a modas culturais e políticas que o conservadorismo inato do PS rejeita e desconfia. Mais, o PS atirou recentemente para a frente um par de “esquerdistas” que poderão atrair bloquistas mais interessados na governação e na influência que um lugar nos gabinetes oferece.
O BE está pois dividido entre duas alternativas: ou manter-se como grupo reivindicativo e anti-sistema, agregador de minorias activas com alguma influencia nas classes urbanas jovens e educadas sempre prontas a abraçar a última novidade ou começar o seu caminho de Damasco de ingresso no PS e na área de poder. Pese as enormes diferenças há um exemplo esquecido, o MES que, nos anos oitenta depois de se ter auto-subvertido, viu boa parte da sua ala esquerda acorrer ao PS que, entretanto já tinha fagocitado o grupo dos ex-GIS, primeira grande dissensão (“à direita”) do mesmo partido.
(não que eu queira comparar os militantes da extinta Esquerda Socialista vindos quase todos das lutas académicas e políticas dos anos 60 e 70, da resistência católica ou do sindicalismo da mesma época com, por exemplo, os elementos mais em vista do BE, mormente as irmãs Mortágua, Catarina Martins, Marisa Matias ou Pedro Filipe Soares chegadas à política muito depois do 25 de Abril, do PREC e dos anos subsequentes. O facto de notoriamente serem da geração dos filhos dos primeiros não deve ser considerado uma capitis deminutio mas evidencia apenas experiências políticas (e assunção dos riscos inerentes) muito diferentes.)
Todavia, nada disto justifica o ardor com que alguns bloquistas parecem querer queimar os barcos em que chegaram e tornar impraticável qualquer exercício orçamental para os próximos anos. Isto se o seu objectivo for um país democrático e inserido na UE. Caso tenham como objectivo um paraíso à Kim Jong-Un (já que nunca conheceram a Albânia socialista) então estão no bom caminho. Resta saber se os portugueses estão de acordo.
C
Indo por partes
mcr 7/8, Jan, 2019
O país, algum país, provavelmente apenas uma pequena parte, está comovido, exaltado, indignado ou, simplesmente, excitado. A causa tremenda é conhecida: um pobre diabo, um indivíduo sem a mínima representatividade (política, moral, social) apareceu num programa da manhã a responder a uma questão (também ela) pouco interessante. Tratava-se, ao que li e agora estou farto de ouvir, de saber se Salazar, enfim o seu impertinente fantasma, estava vivo (como o de Stalin nos corações progressistas de uns centos de criaturas “m-l” que ainda hoje rodam por aí dentro de partidos legais ou de frentes partidárias assumidas e com responsabilidades) e se seria necessário o seu regresso. Convenhamos que a pergunta não era do mais inteligente e que denotava falta dolorosa de tema para uma televisão ou para um programa (ou para um mero apresentador).
Todavia, um tal Manuel Machado, assanhado cabeça rapada, foi ao dito programa dado, pelos vistos, ter “opiniões polémicas”. No caso polémico deve significar burro (e não me refiro só ao entrevistado...).
Na questão de polémicas ficou-se por pouco. Regougou umas frases com escasso sentido e pior gramática, afirmou que não era contra os homossexuais nem contra os pretos e deixou no ar – ao que consigo perceber dos relatos confusos mas palavrosos que vão chegando – a ideia de que com uma extrema direita daquele género podemos nós, sem sequer erguer um pé para uma canelada. A coisa foi, e estou a ser generoso, risível. Direi mesmo que convinha repetir o programa duas, dez, vinte vezes para que o público português percebesse que se o perigo é aquilo então poderemos dormir descansados. Um pouco como a prestação da senhora Le Pen frente a Macron: um desastre e uma goleada do actual presidente francês.
Uma segunda constatação, também prévia decorre da personagem entrevistada. A criatura tem antecedentes criminais e não poucos inimigos no meio onde vegeta. Foi condenada e esteve na cadeia largos anos pelo que, nesse domínio, pagou à sociedade as suas malfeitorias. E pagou-as pesadamente, ao contrário de algumas “personalidades” que, volta que não volta, se pavoneiam nas televisões indígenas e que tem nas mãos o sangue inocente de umas quantas “vítimas colaterais”. Não consta que tenham sido julgadas e condenadas e, pelos vistos, aquilo, aquela autoria moral descabelada, parece ter sido um pecado venial, umas dores do parto da democracia, uns pequenos excessos perdoáveis pela opinião pública já esquecida (ou apenas conformada com uma justiça a várias velocidades e com a conveniente amnésia política da nomenkatura).
Portanto, vir agora, relembrar o passado prisional do tal Machado parece-me uma segunda tentativa de condenação por factos já julgados e punidos.
Porém, o pior disto tudo, desta gritaria escandalizada de filisteus é confundir uma burrice televisiva com um golpe de Munique, com uma marcha sobre Roma, com um 28 de Maio, com a “cruzada” do Franco, para já não falar do tropical Jair que arrota postas de pescada num português lamentável diante da impassível e fraterna testemunha que de Portugal lá foi para defender a CPLP, a “amizade” luso-brasileira, os restos de uma colónia de portugueses em terceira geração que, eventualmente, terão aplaudido o capitão “mito” com ambas as mãos.
Hoje os jornais noticiam que mais de trezentas “personalidades” e um quarteirão de pessoas colectivas (de que pouca gente ouviu falar, cuja actividade era até agora desconhecida ou mínima) escreveram uma “carta aberta” que, francamente, também não demonstra que os redactores tenham inventado a pólvora. Nos últimos dias o sindicato dos jornalistas, uma alta autoridade que tutela a imprensa, vários jornalistas e comentadores com tabuleta na última página de um jornal de “referência”, enfim todos, ou quase, ou seja, os do costume, vieram subscrever-se no politicamente correcto em bicos de pés, “também eu, também eu”... Deprimente!
Contra a corrente, só li Pacheco Pereira, honra lhe seja, que marcou com segurança as fronteiras desta nova guerra do alecrim e da manjerona.
Entre os indignados sobressai a baça figura do senhor Ministro da Defesa que num tweet alardeou duas considerações de fraca qualidade e uma imagem de florestas a arder para agradar a incendiários. S.ª Ex.ª ministro da “grande silenciosa” (as forças armadas) deveria ter reflectido cinco minutos andes de se esganiçar contra a estação de televisão onde os factos horrendos se passaram. É que poderia alguém, de má fé, claro!, pensar que na declaração do cidadão que, aliás, é ministro e não dos menores, perpassava a sombra de uma coação. Claro que S.ª Ex.ª nunca, de nenhum modo, sequer em sonhos, quis dar essa penosa impressão. Não quis mas deu.
Do senhor ministro espero com intranquila ansiedade algo sobre a merda de Tancos e sobre os que sabiam do que se tratava. Falo de militares e de civis e dos importantes. Até à data, nada, zero, raspas de raspas... Como se, cada vez mais, o rol de culpados e conhecedores alastrasse qual mancha de azeite e fosse paulatinamente atingindo muita gente acima de toda a suspeita (se é que se lembram de um filme italiano de Elio Petri: “indagine sul un citadino al di sopra di ogni sospetto” (1970, um grande filme político)
S.ª Ex.ª tem o direito de cidadania como é evidente. No entanto, é ministro. E um ministro tem de saber que tudo o que faz ou diz é escrutinado pelos cidadãos, amigos ou adversários, como já ocorreu um par de vezes com outros membros do actual executivo, mormente a senhora Fonseca, ou, antes, o senhor João Soares o “esbofeteador” e aquela senhora ministra da Administração Interna de que já nem o nome recordo. Aos senhores ministros pede-se trabalho, zelo, competência e que despachem as matérias que lhes competem com brevidade e sensatez. Não precisam, como Tartufo, de vir para arena bater três vezes com a mão no peito. A gente sabe que o senhor ministro é democrata, dos quatro costados. Se quiser adversários escolha um à sua altura melhor que um rapazola já entrado em anos, de suástica no braço e poucas ideias na cabecinha sonhadora.
Não quero com isto dizer que me não preocupam os assomos autoritários de governantes seja cá seja no Brasil, na Venezuela, na Guatemala, na Coreia do Norte ou na China. Ou no leste europeu onde perpassa um cavalheiro húngaro que também foi fraternamente abraçar o Bolsonaro. Vivi trinta e três anos da minha vida sob um poder rural, católicão, gangrenado por dentro, incapaz de pensar o mundo exterior e de perceber a sociedade portuguesa. Não me conformei e recusei-me a ser súbdito dessa gente. E lá marchei para cadeias variadas. O melhor da minha vida passou-se nesse universo cinzento, pesado e triste. Apesar de tudo tive sorte, porquanto alguns centos de portugueses tiveram pior estadia nas cadeias e por mais tempo. Talvez a minha juventude me tivesse salvo de horrores piores. Duma coisa estou certo. Esses anos e os primeiros da democracia curaram-me de várias coisas, entre elas do hábito de gritar pelo lobo mesmo se apenas se avista um pobre cão. E de ver o mundo a preto e branco. Dum lado os atentados à liberdade pessoal são monstruosos do outro, simétrico, são louváveis esforços de construir o futuro. Não são. Ponto, parágrafo.
Se, e quando, o autoritarismo anti libertário vier, não terá o Machado como anjo anunciador, podem estar certos. Espero que, nessa altura, os que se apressam a ver a floresta a arder mesmo quando a luz que se avista seja apenas a de um pirilampo à procura de fêmea, se exaltem e se disponham a agir. A agir. A impedir. A dizer, alto e bom som, NÃO.
Até lá, bom ano.
* Na gravura: o ovo da serpente (filme de Ingmar Bergman)
Indo por partes
mcr 7/8, Jan,19
O país, algum país, provavelmente apenas uma pequena parte, está comovido, exaltado, indignado ou, simplesmente, excitado. A causa tremenda é conhecida: um pobre diabo, um indivíduo sem a mínima representatividade (política, moral, social) apareceu num programa da manhã a responder a uma questão (também ela) pouco interessante. Tratava-se, ao que li e agora estou farto de ouvir, de saber se Salazar, enfim o seu impertinente fantasma, estava vivo (como o de Stalin nos corações progressistas de uns centos de criaturas “m-l” que ainda hoje rodam por aí dentro de partidos legais ou de frentes partidárias assumidas e com responsabilidades) e se seria necessário o seu regresso. Convenhamos que a pergunta não era do mais inteligente e que denotava falta dolorosa de tema para uma televisão ou para um programa (ou para um mero apresentador).
Todavia, um tal Manuel Machado, assanhado cabeça rapada, foi ao dito programa dado, pelos vistos, ter “opiniões polémicas”. No caso polémico deve significar burro (e não me refiro só ao entrevistado...).
Na questão de polémicas ficou-se por pouco. Regougou umas frases com escasso sentido e pior gramática, afirmou que não era contra os homossexuais nem contra os pretos e deixou no ar – ao que consigo perceber dos relatos confusos mas palavrosos que vão chegando – a ideia de que com uma extrema direita daquele género podemos nós, sem sequer erguer um pé para uma canelada. A coisa foi, e estou a ser generoso, risível. Direi mesmo que convinha repetir o programa duas, dez, vinte vezes para que o público português percebesse que se o perigo é aquilo então poderemos dormir descansados. Um pouco como a prestação da senhora Le Pen frente a Macron: um desastre e uma goleada do actual presidente francês.
Uma segunda constatação, também prévia decorre da personagem entrevistada. A criatura tem antecedentes criminais e não poucos inimigos no meio onde vegeta. Foi condenada e esteve na cadeia largos anos pelo que, nesse domínio, pagou à sociedade as suas malfeitorias. E pagou-as pesadamente, ao contrário de algumas “personalidades” que, volta que não volta, se pavoneiam nas televisões indígenas e que tem nas mãos o sangue inocente de umas quantas “vítimas colaterais”. Não consta que tenham sido julgadas e condenadas e, pelos vistos, aquilo, aquela autoria moral descabelada, parece ter sido um pecado venial, umas dores do parto da democracia, uns pequenos excessos perdoáveis pela opinião pública já esquecida (ou apenas conformada com uma justiça a várias velocidades e com a conveniente amnésia política da nomenkatura).
Portanto, vir agora, relembrar o passado prisional do tal Machado parece-me uma segunda tentativa de condenação por factos já julgados e punidos.
Porém, o pior disto tudo, desta gritaria escandalizada de filisteus é confundir uma burrice televisiva com um golpe de Munique, com uma marcha sobre Roma, com um 28 de Maio, com a “cruzada” do Franco, para já não falar do tropical Jair que arrota postas de pescada num português lamentável diante da impassível e fraterna testemunha que de Portugal lá foi para defender a CPLP, a “amizade” luso-brasileira, os restos de uma colónia de portugueses em terceira geração que, eventualmente, terão aplaudido o capitão “mito” com ambas as mãos.
Hoje os jornais noticiam que mais de trezentas “personalidades” e um quarteirão de pessoas colectivas (de que pouca gente ouviu falar, cuja actividade era até agora desconhecida ou mínima) escreveram uma “carta aberta” que, francamente, também não demonstra que os redactores tenham inventado a pólvora. Nos últimos dias o sindicato dos jornalistas, uma alta autoridade que tutela a imprensa, vários jornalistas e comentadores com tabuleta na última página de um jornal de “referência”, enfim todos, ou quase, ou seja, os do costume, vieram subscrever-se no politicamente correcto em bicos de pés, “também eu, também eu”... Deprimente!
Contra a corrente, só li Pacheco Pereira, honra lhe seja, que marcou com segurança as fronteiras desta nova guerra do alecrim e da manjerona.
Entre os indignados sobressai a baça figura do senhor Ministro da Defesa que num tweet alardeou duas considerações de fraca qualidade e uma imagem de florestas a arder para agradar a incendiários. S.ª Ex.ª ministro da “grande silenciosa” (as forças armadas) deveria ter reflectido cinco minutos andes de se esganiçar contra a estação de televisão onde os factos horrendos se passaram. É que poderia alguém, de má fé, claro!, pensar que na declaração do cidadão que, aliás, é ministro e não dos menores, perpassava a sombra de uma coação. Claro que S.ª Ex.ª nunca, de nenhum modo, sequer em sonhos, quis dar essa penosa impressão. Não quis mas deu.
Do senhor ministro espero com intranquila ansiedade algo sobre a merda de Tancos e sobre os que sabiam do que se tratava. Falo de militares e de civis e dos importantes. Até à data, nada, zero, raspas de raspas... Como se, cada vez mais, o rol de culpados e conhecedores alastrasse qual mancha de azeite e fosse paulatinamente atingindo muita gente acima de toda a suspeita (se é que se lembram de um filme italiano de Elio Petri: “indagine sul un citadino al di sopra di ogni sospetto” (1970, um grande filme político)
S.ª Ex.ª tem o direito de cidadania como é evidente. No entanto, é ministro. E um ministro tem de saber que tudo o que faz ou diz é escrutinado pelos cidadãos, amigos ou adversários, como já ocorreu um par de vezes com outros membros do actual executivo, mormente a senhora Fonseca, ou, antes, o senhor João Soares o “esbofeteador” e aquela senhora ministra da Administração Interna de que já nem o nome recordo. Aos senhores ministros pede-se trabalho, zelo, competência e que despachem as matérias que lhes competem com brevidade e sensatez. Não precisam, como Tartufo, de vir para arena bater três vezes com a mão no peito. A gente sabe que o senhor ministro é democrata, dos quatro costados. Se quiser adversários escolha um à sua altura melhor que um rapazola já entrado em anos, de suástica no braço e poucas ideias na cabecinha sonhadora.
Não quero com isto dizer que me não preocupam os assomos autoritários de governantes seja cá seja no Brasil, na Venezuela, na Guatemala, na Coreia do Norte ou na China. Ou no leste europeu onde perpassa um cavalheiro húngaro que também foi fraternamente abraçar o Bolsonaro. Vivi trinta e três anos da minha vida sob um poder rural, católicão, gangrenado por dentro, incapaz de pensar o mundo exterior e de perceber a sociedade portuguesa. Não me conformei e recusei-me a ser súbdito dessa gente. E lá marchei para cadeias variadas. O melhor da minha vida passou-se nesse universo cinzento, pesado e triste. Apesar de tudo tive sorte, porquanto alguns centos de portugueses tiveram pior estadia nas cadeias e por mais tempo. Talvez a minha juventude me tivesse salvo de horrores piores. Duma coisa estou certo. Esses anos e os primeiros da democracia curaram-me de várias coisas, entre elas do hábito de gritar pelo lobo mesmo se apenas se avista um pobre cão. E de ver o mundo a preto e branco. Dum lado os atentados à liberdade pessoal são monstruosos do outro, simétrico, são louváveis esforços de construir o futuro. Não são. Ponto, parágrafo.
Se, e quando, o autoritarismo anti libertário vier, não terá o Machado como anjo anunciador, podem estar certos. Espero que, nessa altura, os que se apressam a ver a floresta a arder mesmo quando a luz que se avista seja apenas a de um pirilampo à procura de fêmea, se exaltem e se disponham a agir. A agir. A impedir. A dizer, alto e bom som, NÃO.
Até lá, bom ano.
* Na gravura: o ovo da serpente (filme de Ingmar Bergman)
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. o leitor (im)penitente 21...
. o leitor (im)penitente 22...
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